domingo, 17 de abril de 2011

PESQUISA: PRINCÍPIO CIENTÍFICO E EDUCATIVO


DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 2000

É preciso distinguir a pesquisa como princípio científico e a pesquisa como princípio educativo. Nós estamos trabalhando a pesquisa principalmente como pedagogia, como modo de educar, e não apenas como construção técnica do conhecimento. Bem, se nós aceitamos isso, então a pesquisa indica a necessidade da educação ser questionadora, do indivíduo saber pensar. É a noção do sujeito autônomo que se emancipa através de sua consciência crítica e da capacidade de fazer propostas próprias. Isso tudo tem por trás a idéia da reconstrução, mas também agrega todo o patrimônio de Paulo Freire e da “politicidade”, porque nós estamos na educação formando o sujeito capaz de ter história própria, e não história copiada, reproduzida, na sombra dos outros, parasitária. Uma história que permita ao sujeito participar da sociedade.

Texto extraído
Fonte: http://pt.shvoong.com/humanities/philosophy/1779895-pesquisa-princ%C3%ADpio-cient%C3%ADfico-educativo/#ixzz1Jn7P61Kx


Desmitificar a pesquisa significa também o reconhecimento da sua imissão natural na prática. Quem ensina precisa pesquisar; quem pesquisa precisa ensinar. Pesquisa não é só busca de conhecimento, mas atitude política. Compreendida como capacidade de elaboração própria, a pesquisa condensa-se numa multiplicidade de horizontes no contexto científico e deve aparecer em todo o trajeto educativo Ao lado da preocupação empírica, deve haver preocupação teórica. A teoria faz parte de qualquer projeto de captação da realidade, a começar pelo desafio de definir o que seja real.. Teoria e prática detêm a mesma relevância cientifica e constituem no fundo um todo só. Torna-se fatal a distinção entre ciência pura e aplicada, entre teoria e prática, por questão de método. Problema do cientista é somente saber, estudar, analisar, não intervir, mudar, questionar. A capacidade de questionamento da pesquisa, não admite resultados definitivos, e estabelece a provisoriedade metódica como fonte principal da renovação cientifica. A pesquisa também pode ser vista no contexto dos interesses sociais. O confronto histórico-estrutural de interesses é que perfaz o ambiente típico da comunicação e do dialogo. Estes se tornam necessários e inevitáveis, não por harmonia funcional, mas por sobrevivência. Existe a raiz política da pesquisa, que a coloca a serviço do poder, podendo informar para desinformar, inventar dados para denegrir, conhecer, matar. A pesquisa tecnológica, que atua como estratégia de acumulação de capital, supera já a fonte da mais-valia. Portanto, valorizar a pesquisa é em primeiro lugar questiona-la. Cabe afirmar que, como princípio científico, a pesquisa instrumenta qualquer interesse político, principalmente quando se pinta de neutra. O que faz da aprendizagem algo criativo é a pesquisa, porque a submete ao teste, à duvida, ao desafio, desfazendo tendência reprodutiva. Professor é aquele que ensina, baseado em seus conhecimentos adquiridos com pesquisas, e não somente com graduação. Se a pesquisa é a razão do ensino, o ensino é a razão da pesquisa. Reduzir o ensino à aula é reduzir a aprendizagem ao escutar. É necessário motivar o aluno a pesquisar, no sentido de fazer o seu próprio questionamento, para chegar à elaboração própria. As ciências sociais priorizam a teoria em detrimento da prática, no que tange ao currículo. É preocupante que as ciências sociais insistam no especialista em generalidades, produzindo o cientista, apenas bom de discussão e crítica. Um educador, pela sua formação, deve saber discutir ciência e seus caminhos de construção, para atingir a condição de elaborador de ciência. A prática deve aparecer como preocupação maior. O caminho para a verdadeira aprendizagem é a biblioteca, onde é preciso munir-se de leitura farta, para dominar posturas explicativas, entre elas escolher a mais aceitável e a partir desta elaborar uma própria. O segundo passo é iniciar a elaborar, fazendo tentativas aproximadas, até sentir-se seguro de um tema. O professor assume, então, o lugar de orientador e pesquisador. Para que o aluno se sinta capaz de trabalhar um tema, é necessário retomar o contexto do trabalho científico, comprovando as hipóteses. Primeiro concebe-se o que se quer mostrar; em seguida parte-se para a comprovação das suspeitas (hipóteses). Tanto se pode chegar a resultado positivo, como negativo, significando cada um igual interesse para a ciência. Ao se buscar os embasamentos teóricos para um trabalho científico, o aluno é que deve saber descobrir o que ler, quanto ler, como ler, para formar o seu próprio juízo. Sobretudo deve saber justificar quando e por que julga ter “dado conta do tema”. A avaliação é necessária, tanto a avaliação do aluno quanto a avaliação de desempenho do professor. Ela pode conter o desafio da própria pesquisa, como realimentação do processo de produção cientifica, como respeito a compromissos assumidos com a sociedade em planos e políticas. A concepção e execução de um projeto emancipatório supõe a busca de auto-sustentação e de autogestão, algo econômico e político. Emancipação só existe como conquista, nunca como doação ou imposição. Não há como emancipar alguém se esse alguém não assumir o comando do processo. É claro a importância da educação e da pesquisa para o processo emancipatório. Apesar da consciência dos limites da educação, é preciso transformar, motivando o surgimento consciente do cidadão. A prova avalia a aprendizagem; não combina com a pesquisa. Decorar também não é necessariamente um mal, desde que utilizadas para traduzir domínios de instrumentalizações formais, como tabuadas, tabelas, e outros, se compreendida a lógica interna do que se decorou. Refletindo sobre a pratica de pesquisas e educação, nota-se que a prática não se restringe à aplicação da teoria. A aplicação da teoria ressalta o lado da qualidade formal, no aprimoramento das condições instrumentais de exercício profissional. É indispensável ser um técnico competente, como é indispensável ser um cidadão atuante e organizado, trazendo para o bojo dessa cidadania a instrumentalização cientifica adequada. Por sua vez, toda prática deve estar relacionada com a formação acadêmica, contextualizada pela teoria e pela pesquisa/ensino/extensão. A relação professor/aluno é questão vital na elaboração de um currículo. O profissional da educação deve ser capaz de construir um projeto próprio, educativo e assistencial, competente cientificamente e participativo politicamente, abrangendo o conceito de pesquisa em seu compromisso de atuar

VÍDEO DISCUTIDO ENTRE OS GRUPOS


Educar pela Pesquisa
ATTA - coleção educação pela pesquisa 


Neste  vídeo o  autor enfatiza a necessidade de inserir a pesquisa como prática cotidiana de professores e alunos. Discute os princípios que caracterizam a verdadeira pesquisa bem os que norteiam a atuação do professor. Finalmente apresenta, passo a passo, as principais ações que estimulam a pesquisa dos alunos.
 

Duração: 40 Minutos

Conteúdo:
- Pesquisa: princípio científico
- Pesquisa: princípio educativo
- Pesquisa na educação básica
- Pesquisar e elaborar
- O papel do professor
- Estímulo à pesquisa: passos principais
- Reorganização curricular
- O professor formado



VÍDEO APRESENTADO AO GRUPO
Metodologia do Conhecimento Científico
ATTA - coleção educação pela pesquisa 

Neste vídeo  Pedro Demo discute a natureza do discurso científico e apresenta as principais metodologias usadas na produção científica. Apresenta ainda como deve ser construído um texto para que seja considerado científico e volta a defender a postura de que só quem pesquisa pode ser autor da aprendizagem.
Duração: 42 Minutos
Conteúdo:
- Dialética
- Positivismo
- Estruturalismo
- Sistemismo
- Pesquisa qualitativa
- Interdisciplinaridade / Transdisciplinaridade
- O texto científico e suas partes
- Pesquisar: fazer-se autor






ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA EMPÍRICA: A CONTRIBUIÇÃO DE PAULO FREIRE

 Texto de   PAULO  MEKSENAS  - Sociólogo, mestre em didática e doutor em educação pela USP. Professor do Centro de Ciências da Educação da UFSC e autor de Cidadania, Poder e Comunicação (São Paulo: Cortez, 2002)



Paulo Freire (1921-1997)Falar de Paulo Freire leva a associar sua obra no entendimento dos métodos possíveis da Educação de Jovens e Adultos. Também e há um bom tempo é costume relacionar o autor às concepções dos métodos do ensino em escolas formais, desde os níveis que lidam com a infância até a universidade. Por outro lado, nem sempre se destaca a contribuição da obra de Paulo Freire nas concepções metodológicas e relacionadas à elaboração de pesquisas empíricas. Este último é o tema deste escrito.
Inicialmente é oportuno relembrarmos o significado do termo pesquisa empírica e, concisamente, definimos como: (1) o modo de fazer pesquisa por meio de um objeto localizado dentro de um recorte do espaço social. Por exemplo, a pesquisa empírica lida com uma escola e não com o sistema escolar ou, analisa mais as práticas sindicais e menos a estrutura sindical. Assim, além de implicar num recorte da totalidade social, a pesquisa empírica está centrada na escolha de aspectos das relações entre sujeitos. (2) A pesquisa empírica lida com processos de interação e face-a-face, isto é, o pesquisador não pode elaborar a pesquisa em “laboratório” ou em uma biblioteca – isolado e apenas com livros à sua volta. Nesta modalidade da elaboração do conhecimento, o pesquisador precisa “ir ao campo”, isto é, o pesquisador precisa inserir-se no espaço social coberto pela pesquisa; necessita estar com pessoas e presenciar as relações sociais que os sujeitos-pesquisados vivem. É uma modalidade de pesquisa que se faz em presença.
A pesquisa empírica se faz com metodologias determinadas. É importante não confundir metodologia com método. Quando falamos em método nos referirmos ao conjunto de procedimentos de nos ensinam a pensar ou a interpretar a realidade social de determinado modo e não de outro. Por exemplo, o marxismo é um método porque os conceitos que formam o marxismo nos levam a pensar e a interpretar o mundo por meio da noção de luta de classes. O mesmo pode ser dito do positivismo, que implica em compreender a realidade de forma diversa do marxismo, pela noção da qual a ciência e a prática científica ‘neutra’ são os “motores” da história. Desse modo, método se refere mais a um estilo de pensamento no campo das ciências humanas. Esse tema (o método de pesquisa) não é objeto deste artigo, podendo ser abordado em outra oportunidade. Neste escrito, denominamos por metodologia algo que é mais restrito do que um método. Se o método nos ajuda a pensar o mundo, a metodologia é o conjunto de estratégias para coletar informações acerca da realidade examinada pelo pesquisador e no contexto da realização de uma pesquisa empírica. Dentre as metodologias ao nosso alcance, os pesquisadores as agrupam em dois níveis: 1. Metodologias Qualitativas: Observação-participante. Entrevistas não-estruturadas ou depoimentos. 2. Metodologias Quantitativas: Entrevistas estruturadas. Questionários-fechados ou Enquête.
As chamadas metodologias qualitativas implicam num processo de coleta de dados em que o pesquisador passa um tempo maior em contato com a realidade examinada; seja observando/participando/dialogando/ouvindo bem como, integrando o espaço social que é o seu objeto de pesquisa. Já, nas metodologias quantitativas, o tempo de permanência do sujeito-que-pesquisa com os sujeitos-que-são-pesquisados é menor, pois o processo de coleta de dados ocorre por meio de instrumentos aplicados de modo rápido. A maior diferença entre esses dois níveis deve-se ao fato das metodologias qualitativas serem menos abrangentes em termos de extensão – envolvendo poucos sujeitos-pesquisados – mas, por outro lado, se aprofundam muito naquilo que examinam. Já, as metodologias quantitativas são mais extensas – ao envolverem muitos sujeitos investigados, porém, abordando-os de modo mais superficial. Em resumo, as metodologias qualitativas são menos extensas e mais intensas e as metodologias quantitativas são mais extensas e menos intensas. Por isso são duas metodologias mais complementares e menos opostas entre si.
Abordar a contribuição da teoria de Paulo Freire na questão das metodologias da pesquisa empírica implica em refletir acerca da relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto da pesquisa, superando a noção comum do sujeito-que-pesquisa atuando sobre os sujeitos-que-são-pesquisados, de modo unilateral e vertical. Note bem o significado a idéia de “atuando sobre”. Em uma frase a preposição SOBRE indica, entre outras determinações sintáticas e semânticas, uma posição de privilégio de um substantivo por outro, desse modo poderíamos afirmar uma falsa superioridade do pesquisador que, atuando acima (distante dos outros); por cima (com superioridade frente aos outros); em cima (abafando os outros), enfim, sobre os sujeitos-pesquisados, revelaria uma posição de subalternidade destes últimos ao primeiro, prestando-se assim, mais às relações de dominação que à prática do conhecimento. Trata-se de pensar as interações entre o sujeito-que-pesquisa com os sujeitos-que-são-pesquisados de outra perspectiva e na horizontalidade dessa relação. Ambos são diferentes porque vêm de lugares sociais diversos; possuem saberes distintos e viveram experiências desiguais, porém, isso não significa que o sujeito-que-pesquisa seja melhor ou superior ao sujeito-que-é-pesquisado. Assim como o primeiro ensina e aprende com aquele que está na condição de pesquisado, este último também ensina e aprende com outro, que está na condição de pesquisador. Nos procedimentos de coleta de dados do pesquisador, os sujeitos pesquisados não podem ser reduzidos à condição de meros objetos. Mais do que um processo vertical de obtenção de informação, a relação do sujeito-que-pesquisa com o sujeito-que-é-pesquisado se torna um ato educativo[1]. Afirma Paulo Freire:
(...) a pesquisa, como ato de conhecimento, tem como sujeitos cognoscentes, de um lado, os pesquisadores profissionais; de outro, os grupos populares e, como objeto a ser desvelado, a realidade concreta. Quanto mais, em tal forma de conceber e praticar a pesquisa, os grupos populares vão aprofundando como sujeitos, o ato de conhecimento de si em suas relações com a sua realidade, tanto mais vão podendo superar ou vão superando o conhecimento anterior em seus aspectos mais ingênuos. Deste modo, fazendo pesquisa, educo e estou me educando com os grupos populares. Voltando à área para pôr em prática os resultados da pesquisa não estou somente educando ou sendo educado: estou pesquisando outra vez. No sentido aqui descrito pesquisar e educar se identifica em um permanente e dinâmico movimento (1983:36).
Pela palavra e pelo trabalho de rememoração o depoente/informante/entrevistado/observado não apenas revela a sua opinião, mais do que isto, encontra a oportunidade de indagar-se sobre o que lhe é perguntado. As questões de pesquisa passam a ser perguntas para que o sujeito-que-é-pesquisado possa pensar; lembrar; relacionar fatos e conscientizar-se, mesmo que essa tomada de consciência seja algo provisório e a ser questionado no futuro. Por exemplo, em pesquisa realizada pela historiadora, Elza Nadai, um grupo de professores aposentados e idosos, quando entrevistados em fins da década de 1980 lembraram das escolas do Ensino Secundário, em que lecionaram nas décadas de 1940 e 50[2]. Afirmaram à pesquisadora que, naquela época, os salários dos professores eram muito bons, porém, quando foram indagados se possuíam telefones ou automóveis, respondiam que não. De repente, em uma entrevista, a professora afirmou: pêra lá, os salários não eram tão bons assim, me enganei, lembrei que nem geladeira em casa eu tinha. Esse exemplo indica como a realização de uma entrevista é mais do que um momento de coleta de dados, é um momento de reflexão e como toda situação de reflexão é um contexto de construção da consciência política dos sujeitos envolvidos. Sabemos que, desse modo, a metodologia qualitativa na pesquisa empírica, ao estabelecer relações face-a-face do sujeito-que-pequisa com o sujeito-que-é-pesquisado, permite vínculos de reflexão entre as partes envolvidas porque estão todos em presença, isto é, frente-a-frente e em diálogo, por isso é que Paulo Freire afirma que fazer pesquisa educa.
Essa concepção da pesquisa, como momento de superação da consciência ingênua de mundo, pertence a uma longa tradição e que integra a história das classes trabalhadoras na modernidade. Em 1880, pouco antes de vir a falecer, o filósofo Karl Marx organizava uma grande enquête e cujo questionário deveria ser aplicado por Centrais Sindicais de toda a Europa e o seu resultado serviria de base à ação do movimento operário internacional. Com 101 perguntas, algumas delas merecem referência, como exemplo ao nosso raciocínio:
(...)
77 – Você conhece casos em que operários perderam o emprego porque foram introduzidas máquinas novas ou aperfeiçoamentos de um outro tipo?
(...)
79 – Sabe de algum caso de elevação dos salários em conseqüência dos progressos da produção?
(...)
82 – Existem, em seu oficio, associações operárias? Quem as dirige? Envie-nos os seus estatutos e regulamentos (reproduzido em THIOLENT, 1982: 254).
Notamos que essa qualidade de pergunta, contida na enquête proposta por Marx, conduz à possibilidade de reflexão daquele que a responde; uma reflexão capaz de gerar a tomada de consciência, pois, ao responder sobre as condições em que a renovação tecnológica produz o desemprego ou frente às possibilidades reais da fundação de associações operárias, é possível ao entrevistado rever-se na sua história de vida profissional e de classe. É apenas seguindo a tradição fundadora da ciência de classe que se faz possível perceber a pesquisa como atividade educadora e a educação como ato de pesquisa. E é nessa tradição que se insere a obra de Paulo Freire.
No âmbito de uma ciência de classe nasce a possibilidade de respeito e diálogo entre diferentes níveis do conhecimento. Aqui, ciência e senso comum não se sobrepõem um ao outro, mas complementam-se nas suas especificidades. Perceber a diversidade do conhecimento é condição fundamental para ver a pesquisa como ato educativo e vice-versa:
A curiosidade ingênua, de que resulta indiscutivelmente certo saber, não importa que metodicamente desrigoroso, é a que caracteriza o senso comum. O saber de pura experiência feito. Pensar certo, do ponto de vista do professor [pesquisador], tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o estímulo à capacidade criadora do educando [pesquisado]. Implica o compromisso da educadora com a consciência crítica do educando cuja "promoção" da ingenuidade não se faz automaticamente. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador (FREIRE, 2004:29).
Avançado nesta discussão, devo indicar mais uma das contribuições de Paulo Freire e talvez a mais decisiva. Refere-se ao fato de criar, na década de 1970, as condições teóricas de afirmação da PESQUISA PARTICIPANTE, simultaneamente, com o sociólogo Colombiano Orlando Fals Borda. Nesta modalidade de investigação social alguns pressupostos são admitidos:
  1. A pesquisa deve servir aos sujeitos que fazem parte da realidade investigada e não apenas ser a pesquisa que serve ao pesquisador, à sua carreira, à sua ascensão acadêmica nas instituições. Por isso, é uma pesquisa que está mais fora do que dentro das Universidades e está mais dentro do que fora nos Movimentos Sociais.
  2. A pesquisa responde aos anseios de um projeto político e gerido por algum Movimento Social.
Aqui, novamente, vale um exemplo. Segundo Eder Sader[3], na década de 1970 e no vigor do Regime Militar, o Movimento do Custo de Vida (MCV) ou Contra a Carestia, na cidade de São Paulo, deveu parte do seu respaldo à realização de pesquisa participante, pois as donas-de-casa e integrantes do Movimento elaboravam planilhas econômicas em que fundamentavam a existência de uma forte e crescente inflação, fato que era solenemente negado pelos índices oficiais e disposto pela Ditadura. Ora, a construção dessa medida da variação do índice de preço ao consumidor foi possível dada à contribuição de estudantes que, por meio da Pastoral Universitária, estavam inseridos nas chamadas Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) e, atenderam à solicitação formulada pelos próprios sujeitos daquele Movimento Social, portanto, de dentro-para-fora e nunca de fora-para-dentro. Em outras palavras a pesquisa torna-se participante porque nunca invade um Movimento Social, mas vai ao seu encontro por solicitação dos seus integrantes. Como diz o antropólogo:
Conhecer a sua própria realidade. Participar da produção deste conhecimento e tomar posse dele. Aprender a escrever a sua história de classe. Aprender a reescrever a História através da sua história. Ter no agente que pesquisa uma espécie de gente que serve. Uma gente aliada, armada dos conhecimentos científicos que foram sempre negados ao povo, àqueles para quem a pesquisa participante – onde afinal pesquisadores-e-pesquisados são sujeitos de um mesmo trabalho comum, ainda que com situações e tarefas diferentes – pretende ser um instrumento a mais de reconquista popular (BRANDÃO, 1983:10).
Assim é possível observar, aquele que realiza uma pesquisa participante é porque, antes de ser pesquisador, está comprometido com os projetos das classes dominadas e exploradas. Como disse Marx, no Terceiro Manuscrito Econômico-filosófico, uma base para a vida e outra para a ciência constituem em princípio uma mentira (2002:145), isto é, uma ciência que não serve à vida, deve ser banida. Por isso, toda pesquisa participante está vinculada a um projeto de história, que supera condições sócias contemporâneas. Paulo Freire também o afirma:
Não é, por exemplo, de interesse da classe dominante, numa sociedade capitalista, que se implique o Povo como sujeito participante do seu próprio desenvolvimento. Numa tal perspectiva, a pesquisa participante não tem por que envolver os grupos populares como sujeitos de conhecimento e a formação do trabalhador viram “treinamentos da mão-de-obra”. Treinamentos para uma maior rentabilidade da força de trabalho e em cuja prática a tecnologia é vista como neutra ou “a serviço sempre da humanidade”. Não cabe, por isso mesmo, nesta visão conservadora, a discussão do processo do trabalho em busca de uma compreensão crítica do mesmo (...) Se é incoerente que um profissional reacionário, elitista, envolva os grupos populares como sujeitos da pesquisa em torno de sua realidade, contraditória também é que um profissional chamado de esquerda descreia das massas populares e as tome como simples objetos de seus estudos ou de suas ações (FREIRE, 1983:36).
E um pouco mais adiante, Paulo Freire adverte (...) se o objetivo é a criação de uma sociedade socialista, a pesquisa aqui requer métodos participantes (1983:37). Desse modo, é fato que a PESQUISA DE CLASSE afirmar-se-á por meio de um novo projeto de sociedade. Paulo Freire indica, assim, que a ciência deve ser reformulada pelo direito que os trabalhadores têm de afirmarem-se como os co-responsáveis pela sua elaboração e não apenas por acessarem aos seus resultados. Na pesquisa participante o acesso à ciência, por parte dos trabalhadores, não visa ao seu “treinamento como mão-de-obra”, mas à possibilidade de mudar radicalmente a sociedade. Isso pressupõe como vimos uma nova relação entre o sujeito-que-pesquisa com o sujeito-que-ao-ser-pesquisado torna-se também o trabalhador-que-igualmente-pesquisa-com-o-pesquisador, respeitando-se as singularidades de cada um. E isso implica em admitir que,
(...) os pesquisadores participantes precisam partir da noção de que a cultura (ou a tradição) do camponês ou do operário não é conservadora como freqüentemente se supõe, mas é de fato realista e dinâmica.
Há elementos positivos e negativos na cultura e na tradição camponesa e operária, com tendências para mudança social e aberta às possibilidades de transformação, tanto no conhecimento, quanto na ação. Isto é evidente. Senão, como poderíamos explicar tantas revoltas que ocorreram na história mundial? (BORDA, 1983:51).
Concluímos que a pesquisa participante se faz com um novo projeto de história e de sociedade, em que trabalhadores e intelectuais se transformam de conservadores a progressistas porque convivem [com-vivem], isto é, ao estarem um-com-o-outro podem, juntos, indagar; problematizar; educar; pesquisar; conhecer; re-educar e transformar.
__________
[1] Para aprofundar a discussão da relação entre ensino e pesquisa; pesquisador e pesquisado; o professor e a pesquisa, consultem: FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
[2] Trata-se do estudo de NADAI, Elza. A educação como apostolado: histórias e reminiscências (São Paulo 1930 – 1970) 450 p. Tese (livre docência) Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo: São Paulo, 1991.
[3] Trata-se do estudo de SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970 – 1980. São Paulo: Paz e Terra, 1988.



ENUNCIADOS PARA UMA EDUCAÇÃO POPULAR


EDUCAÇÃO POPULAR
- enunciados teóricos -
José Francisco de Melo Neto[1]

Educação tem sido, para muitos, uma palavra com significado meramente simbólico. Resiste, contudo, a qualquer tentativa de compreensão que a transforme em fórmula abstrata ou mesmo vazia. Sua etimologia remete ao grego paidagogein ou ao latim educare, como algo intrínseco às relações humanas e sociais ou, mais precisamente, como um fenômeno de apropriação da cultura. É tema de uma ampla interpretação, assim como cultura. Esta é entendida como expressão da criação humana, fruto das complexas operações que o animal humano vem apresentando, historicamente, no trato com a natureza material e suas lutas para a sobrevivência. Nessas operações, o humano descobriu a sua capacidade de aprender, estabelecendo nesse momento o fato pedagógico, isto é, a condição de aprendizagem que traz consigo e que continua em desenvolvimento, com maior velocidade que qualquer outra espécie animal.
A educação realiza-se de forma espontânea, em qualquer lugar. Acontece de forma reflexiva ou sistemática quando se definem técnicas apropriadas na busca de se obter melhor rendimento educativo (a teoria pedagógica). Entretanto, a operacionalidade (preceitos e leis) e as opções de técnicas ou metodologias desse processo educativo sistematizado são demarcadas por uma política de educação. É neste sentido que cabe questionar quanto ao direcionamento desejado para os processos educativos: aonde se deseja chegar com essa teoria pedagógica, gerada dos fatos pedagógicos e permeada de uma política de educação, voltada às maiorias sociais? Qual é a educação que interessa às classes trabalhadoras, em exercício de valores democráticos?
Ora, o significado de educação também não pode prestar-se para absorver qualquer experiência como se fosse educativa e, muito menos, do interesse dos oprimidos. Há, inclusive, um tipo de experiência que se diz popular, mas que busca, através de outras técnicas, promover a inculcação do silêncio nas mentes das classes despossuídas da sociedade, roubando-lhes a sua inerente capacidade de indignação.
A condição de aprender - o fato pedagógico - terá maior adequação ao expressar a relação do humano com o mundo, baseada nas dimensões do trabalho. Este é o ponto de partida que parece necessário para uma educação que se paute pelos interesses das maiorias, considerando que o trabalho é a fonte de sua existência. O significado da anterioridade do mundo em processos educativos fundamenta-se no aspecto de que o conhecimento, a partir das coisas concretas, pode incitar as forças humanas à promoção de mudanças.
Uma teoria pedagógica será convidativa ao expressar a arte pedagógica de determinar as técnicas mais apropriadas para um melhor aproveitamento educativo. Essas técnicas ajudarão a pensar, agir e descrever o mundo, com base nas relações humanas e o próprio mundo, como expressão dialética de um movimento de análises e novas sínteses que externarão, possivelmente, através da história e da crítica, os anseios gerais ou locais das transformações necessárias. É uma relação de síntese do sujeito com o mundo; uma leitura assentada na história e instigada pelo exercício da crítica ao outro e a si mesmo.
Políticas de educação, por outro lado, traduzidas em leis ou preceitos, reclamam as muitas possibilidades de organização dos trabalhadores e a promoção da cidadania (crítica e ativa), dando ênfase aos processos de participação em toda a dimensão da vida. É o desvelamento dos espaços sociais, como a casa, a escola, a comunidade e a cidade, tornando-os efervescentes ambientes de solidariedade.
As ações em políticas de educação podem conduzir para um novo agir político, indo além da razão instrumental apegada aos fazeres do dia-a-dia, simplesmente. Vão ao encontro de outra razão que promova a comunicação através do diálogo, definida em contraponto aos modelos autoritários e opressores da tradição secular, acompanhada de princípios éticos valorizadores do humano e não das coisas, educando para uma nova estética política e, assim, estabelecendo outros patamares de civilização. Patamares educativos, lembrando Paulo Freire, que espantem o medo da liberdade, da igualdade e da felicidade.


[1] Professor Titular/Educação da Universidade Federal da Paraíba.

Enunciados para uma educação popular


a) A experiência histórica

O campo da educação tem vivenciado várias experiências que se colocam como educação popular. Em projetos de extensão universitária, as suas metodologias podem se inserir em educação popular. Metodologias de aplicação de projetos extensionistas têm tido destaque desde o início do século passado, chegando às Américas, através de abordagens em extensão. No Brasil, vão destacar-se com a criação das universidades livres, no Amazonas e em vários Estados. Nesse modelo de universidade, a mais importante foi a de São Paulo que funcionou de 1891 a 1917. Em todas essas experiências, é marcante a sua veiculação ao conjunto educativo que se chamou de educação de adultos (Ireland, 2002).
A educação nas universidades livres caracterizou-se por conferências semanais, abertas ao público, a respeito de variadas temáticas, desvinculadas do movimento social, além de desprovidas de conotação mudancista. Apesar de estarem direcionadas aos trabalhadores, mantinham-se ignoradas pelas próprias classes populares. Essas experiências, a rigor, estavam mais prisioneiras do idealismo político de grupos da comunidade acadêmica do que da busca de respostas às necessidades e interesses da população. Em contrapartida, são dessa mesma época as escolas sindicais ou escolas partidárias, criadas por anarquistas e socialistas, mas que não detinham o apoio de segmentos universitários. Fávero (1980: 192) faz ver que a Universidade Livre de São Paulo, em estudos sobre a extensão universitária, tinha por objetivo “realizar a obra social de vulgarização das ciências, das letras e das artes, por meio de cursos sintéticos, conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes científicos e congêneres”. Consistia de um conjunto de atividades voltadas para a população, porém distantes da mesma. Tudo isso era entendido como um processo de educação para as massas  - uma educação popular.
Durante todo o século passado, várias foram as campanhas que levantaram a perspectiva de uma educação voltada ao povo[1]. É importante realçar a presença dos estudantes em movimentos sociais pela educação com esta perspectiva, lembrando as campanhas de alfabetização de adultos e de cultura popular por meio dos Centros Populares de Cultura e do Movimento de Educação de Base (MEB), este nascido no início da década de 60, dirigido pela Igreja Católica, e os Movimentos de Cultura Popular (MCPs). O MEB continua até hoje com suas atividades em todo o país. Fleury (1988: 34) chega a caracterizar as práticas que vêm desenvolvendo como de um movimento engajado nas lutas das classes menos favorecidas. “Realiza programa de educação através do rádio e desenvolve uma metodologia de animação popular”.
Na mesma época, inicia-se aquilo que foi se transformar em uma das mais importantes experiências nesse campo - a campanha De pé no chão também se aprende a ler. Experiência iniciada na cidade de Natal, espalhou pelo país inteiro os germes do que veio a se chamar o método Paulo Freire para alfabetização. Esse método teve como marca as campanhas na cidade de Recife, no início da década de 60, com o apoio do governo de Miguel Arraes, no Rio de Janeiro, em Brasília, em São Paulo, e a Campanha de Educação Popular (CEPLAR), na Paraíba. O método Paulo Freire passou a estar presente nos processos populares dos movimentos de alfabetização de adultos, no país e no mundo, firmando uma perspectiva revolucionária para a educação.
Todavia, o Estado também vem desenvolvendo atividades no campo da educação de adultos, promovendo a alfabetização das classes subalternas da sociedade. Foram marcantes as campanhas do MEC, no período da ditadura militar, como a do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Nessas campanhas, incentivava-se a participação dos universitários em seus projetos de extensão universitária, destacando-se o Centro Rural Universitário de Treinamento de Ação Comunitária (CRUTAC), o Projeto Rondon e a Operação Mauá.
Na década passada, foram relevantes práticas em outras perspectivas, por todo o país. Várias ações em extensão merecem relevo, como as da extensão universitária da Universidade de Brasília (1989), da Universidade de Ijuí, no Rio Grande do Sul, e da Universidade Federal da Paraíba (1996), a exemplo do Setor de Estudos e Assessorias aos Movimentos Populares (SEAMPO), do Projeto Escola Zé Peão, do Centro de Referência e Pesquisa da Saúde do Trabalhador (CERESAT), na área da saúde, e outros. Mais recentemente, em um movimento coordenado pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão Universitária, praticamente todas as universidades brasileiras assumiriam atividades de extensão, até por força da lei, contemplando metodologias de educação popular. Em todas essas experiências, vêm se configurando exigências e acumulando discussões prático-teóricas em torno desta temática.
As reflexões em educação de jovens e adultos afirmam-se por meio de um movimento nacional que promove encontros nacionais com regularidade. Em relação à discussão do letramento, a dimensão do que seja popular é vista pelos Van Der Poel (1997)[2] à medida que pessoas jovens e adultas no meio rural precisem estar conscientes da questão agrária, da relação do trabalho com o patrão, da questão da mulher ou da pouca rentabilidade de sua atividade. Para eles, contudo, é importante e necessária a aprendizagem da solução desses seus problemas. Configuram uma metodologia de educação popular nos seguintes termos: “Os participantes do processo educativo não devem, apenas, saber que o problema existe, mas têm que saber os porquês da questão e como solucioná-la” (ibid.: 118).  
As análises de Brandão (1983), na década de 80, apontavam para a existência de diferenciados modelos em educação popular. O autor via, inclusive, como dinâmica das relações entre esses modelos, a não superação de algum por outros. Para ele, “a regra é a coexistência de modelos tradicionais, hegemônicos e emergentes” (p, 79). 
Diante da variedade de possibilidades em educação popular[3], no momento político que se vive, este debate parece cobrar reflexões sobre os vários elementos que podem estar conjugados, traduzindo uma formulação conceitual sobre a educação popular para as condições atuais. Se a premissa pode ser aceita, é razoável a delimitação de vários constituintes para a sua compreensão, podendo ser fundado a partir de um conjunto de categorias que tem estado sempre presente nesses exercícios educativos, isto é: cultura, popular, realidade concreta, trabalho, igualdade, autonomia/liberdade e diálogo. São referencias que vêm alimentando a história e as práticas em educação popular, constituindo-se como elementos essenciais para o seu exercício, fecundando enormemente a sua compreensão e o seu distanciamento de outros sistemas de educação.
Além do mais, sendo a educação uma ação política, na perspectiva freireana, as mudanças que estão ocorrendo cobram a atualização desse debate. Assim, se justifica essa busca, expressão de uma síntese conceitual que colabore para a manutenção dos questionamentos e de práticas em projetos sociais, onde a dimensão educativa transformadora esteja presente, a exemplo de projetos de extensão universitária como as incubadoras populares para uma economia solidária, voltados à autogestão.                                                                                                                                 
b) A cultura
Análises e práticas em educação popular originam-se, normalmente, da compreensão de cultura. O método Paulo Freire de alfabetização, por exemplo, tem início com a definição de um universo vocabular, definido a partir da cultura naquele ambiente. Contudo, a perspectiva de cultura apresenta expressiva dificuldade em sua conceituação. Mesmo entre os profissionais vinculados ao campo que se diz cultural, não há uma compreensão, sequer, aproximada de seu significado com aceitação generalizada. O que existe mesmo é um cipoal de concepções que mais expressam um “ninho de casaca-de-couro”, na acepção viva de Jackson do Pandeiro[4]. Apesar desse elemento complicador, é tido por outros como um alimento para diferenciadas perspectivas culturais.
Pode-se observar que a multiplicidade conceitual de cultura também traduz e expressa, do ponto de vista político, a visão alicerçada nas bases explicativas e dominantes da sociedade, em seus variados modos de produção. Entre os gregos, cultura e religião estiveram interligadas, expressando as explicações da natureza, porém cheias de atributos religiosos. Essa visão de cultura já era idealizada em Homero, tornando a beleza o ideal educativo e dominante daquela cultura, presente até os dias de hoje. Contudo, é Hesíodo, outro poeta grego, que, sem negar o ideal homérico, apresenta outra base para a educação. Elege o trabalho como referência para a educação grega do homem e da mulher. Entretanto, verifica-se entre os sofistas a separação entre a religião e a cultura. Apesar dessa separação, só tem significado de totalidade ao assumir como cultura e como conteúdo da cultura, também, o mundo da cultura espiritual: “o mundo em que nasce o homem individual, pelo simples fato de pertencer ao seu povo ou a um círculo social determinado” (Jaeger, 1995: 354). Tudo isso, entretanto, expressa visões idealizadas sobre cultura de diferenciados setores dominantes da sociedade, em suas épocas.
Mas o que se deseja resgatar é a perspectiva conceitual de cultura, embalada pela categoria teórica movimento e fruto inerente de cada modo de produção. Isto é, a perspectiva do conceito de cultura nos marcos da produção, expressa na visão de Álvaro Vieira Pinto[5].  A produção é expressivo parâmetro de universalidade, considerando a sua presença em todos os tipos de grupos sociais, presentes nos mais diferenciados rincões e em qualquer tempo da história humana. E aí, como produto do processo produtivo, cultura é uma criação do próprio homem. É resultante das diferenciadas formas de tentativas do humano no trato com a natureza material, na medida em que está sempre em luta pela própria sobrevivência.
A sua capacidade intelectiva e manual possibilitou um maior crescimento e intensidade desses fazeres de sobrevivência. Esses produtos, daí gerados, constituem-se todos como produtos culturais. Dessa capacidade, foram sendo criados os instrumentos de sobrevivência e todos os tipos de expressão espiritual, inclusive, e, posteriormente, as religiões. Cada uma foi inventada em determinado tempo e lugar, prisioneira das condições da cultura estabelecida e veiculada nos anseios de dominação de cada povo (construção de impérios) ou sendo impingida a cada povo perdedor. Tudo isso foi sendo transmitido e conservado de geração para geração. O início da cultura não é, portanto, datado, mas coincide com o processo de hominização.

“A criação da cultura e a criação do homem são na verdade duas faces de um só e mesmo processo, que passa de principalmente orgânico na primeira fase a principalmente social na segunda, sem, contudo, em qualquer momento deixarem de estar presentes os dois aspectos e de se condicionarem reciprocamente” (Pinto, 1979: 122).

Como se vê, as dimensões culturais presentes nos gregos estão mais ampliadas com essa perspectiva. Os produtos culturais são aqueles gerados dos mecanismos nos mais variados processos produtivos e os gerados da dimensão social presente nas relações humanas. Nesse sentido, torna-se ente cultural o museu, o quadro de famoso pintor, as esculturas de famosos escultores, etc. São expressões culturais os óculos ou lentes usados no cotidiano, a caneta, a ferramenta de trabalho, o computador, a peça teatral, o trator, o software, o processo de produção de conhecimento e a tecnologia. Todos estes entes são frutos do processo produtivo e resultantes da dimensão manual e intelectiva da espécie humana.
A cultura, na perspectiva apresentada, isto é, como produto do processo produtivo, adquire dupla natureza. Cultura, expressa pelo bem produzido, torna-se bem de consumo, enquanto resultado expresso em coisas e artefatos e subjetivado em idéias gerais do mecanismo produtivo. Cultura se converte, ainda, em bem de produção, subjugando a realidade e submetendo-a às suas reflexões, gerando novos produtos e novas técnicas de exploração do mundo, dando-lhes, pelas idéias, significados e finalidades para as suas ações.
Dessa perspectiva conceitual de cultura resultam dois fenômenos, sendo mais explicitados no atual modo de produção – o capitalismo. O primeiro diz respeito ao acervo cultural, que é cheio de máquinas e entes tecnologizados, além das tantas idéias geradoras dos processos produtivos. Não se produz sem idéias. Os setores dominantes, por sua vez, valorizam mais a segunda dimensão, as idéias, considerando que já controlam os bens materializados. Há, então, a exaltação às posses das idéias e desvalorização do trabalho próprio da produção daqueles entes materiais. O segundo resultado é o apoderamento dos bens materiais produzidos, frutos das idéias geradoras dos bens culturais. Assim, o trabalhador - o produtor cultural - além de ter perdido os bens materiais produzidos por ele mesmo, também está excluído dos bens ideais geradores dos produtos culturais.
A partir dessa visão, pautada no marco da produção, torna-se possível dessacralizar as marcas ideológicas das outras perspectivas de cultura, quaisquer que sejam, imputando aos mais aquinhoados o ter cultura e convencendo os demais de que têm cultura aqueles que, tão-somente, estiveram na escola. Pode-se afirmar que estes, apenas, também têm cultura. Numa sociedade de pouco acesso aos tantos meios de socialização do conhecimento, certas visões só aprofundam a “apartação social”, fortalecendo a dominação por parte dessas elites.  Portanto, cabe aos que produzem os entes culturais - bens materiais e bens ideais - o resgate da posse de seu próprio processo de se tornarem humanos, edificando os vetores de sua libertação, sendo esta ação fortalecedora de sua sabedoria[6] e necessariamente popular.

c) O popular

Os conteúdos da educação entre os povos têm sido quase os mesmos, isto é, de ordem ética e prática. Nessa primeira dimensão, inserem-se as orientações principistas para o bem viver como, por exemplo: honrar deuses, pais, mães e outras regras de conduta como as da prudência ou, até mesmo, definidas através de mandamentos. A segunda dimensão volta-se a aspectos comunicativos do conhecimento de profissões acumuladas por um povo, denominada pelos gregos de techne. Paralelamente ao processo educativo dentro dessas perspectivas, desenvolve-se uma sabedoria, expressa por essas regras, preceitos de prudência e mesmo superstições, baseadas na tradição oral que, no caso dos gregos, tornou-se pujante na poesia rural gnômica de Hesíodo[7].
A formação pela educação, como se vê, toma dois rumos distintos. Assume, em primeiro lugar, um rumo dominante que passa a criar um tipo humano pautado por um conjunto de idéias préfixadas, cabendo-lhe o seu alcance. Esse tipo elevará como fundamental a idéia de beleza, constituindo-se como o componente central do processo educativo. A educação torna-se a busca pelo belo. Nesta perspectiva, está o pensamento de Homero, sendo indiferente tomar-se como essencial a utilidade das coisas. Assim, constrói-se o ideário dominante na Paidéia grega em que  “a formação não é outra coisa senão a forma aristocrática, cada vez mais espiritualizada, de uma nação” (Jaeger, 1994: 25).
Contudo, é do campo que vem uma outra percepção do significado da educação e da formação, muito próximo, cronologicamente, dos tempos homéricos. Forma-se uma tradição que, mesmo entre os gregos, daria outra função à poesia, ao objeto dos poemas, relacionando-se com outro público e distanciando-se da perspectiva homérica. O poeta Hesíodo traz para o processo de educação humana a experiência de seu trabalho, a experiência do agricultor, dirigindo-se a seus conterrâneos, agricultores gregos e pequenos proprietários. Está na poesia hesiódica não mais a medida do homem pela sua árvore genealógica, mas pelo seu trabalho, que o torna independente e feliz.
Como se vê, essas duas fontes permeiam os processos educativos dos gregos. Em Homero, há uma esfera social dominante voltada ao mundo e à cultura dos nobres. Uma fonte que daria maior ênfase a uma educação para a qualidade tanto dos nobres como dos heróis, valorizando o heroísmo expresso pelas lutas, em campo aberto, entre cavaleiros nobres e seus adversários. Em Hesíodo, especialmente no seu poema os Erga[8], há uma poesia arraigada à terra como representação da vida campestre, rústica, simples, suscitando outra fonte da cultura grega: o valor do trabalho. Nesta perspectiva, o poeta vê o mundo através de duas lutas sobre a terra e que são distintas, sobressaindo-se, todavia, a luta abaixo narrada:

“Desperta até o indolente para o trabalho:  pois um sente desejo de trabalho tendo visto  o outro rico apressado em plantar, semear e  casa beneficiar; o vizinho inveja ao vizinho apressado atrás da riqueza; boa Luta para os homens esta é; o oleiro ao oleiro cobiça, o carpinteiro ao carpinteiro,  o mendigo ao mendigo inveja e o aedo ao aedo.
Ó Perses! Mete isto em teu ânimo: a Luta malevolente teu peito do trabalho não afaste para ouvir querelas na ágora e a elas dar ouvidos”  (Hesíodo, 1996: 23-24).


Além disso, a vida no campo expressa o seu heroísmo através da luta silenciosa e tenaz dos trabalhadores, reclamando disciplina e contendo qualidades de valor educativo permanente para o humano:

Por trabalho os homens são ricos em rebanhos e recursos E, trabalhando, muito mais caros serão aos imortais. O trabalho, desonra nenhuma, o ócio desonra é!  (Hesíodo, 1996: 45).

        Hesíodo passa a condenar o ocioso e o compara a zangões de colmeias que destroem os esforços das abelhas, salientando, ainda mais, o papel do trabalho no processo de educação humana, exigindo uma vida de trabalho: “Não foi em vão que a Grécia foi o berço de uma humanidade que põe acima de tudo o apreço pelo trabalho” (Jaeger, 1994: 85). Em “Os trabalhos e os dias”, o poeta exprime maiores detalhamentos da vida no campo, sobretudo, na segunda parte, as tradições e as regras sobre o trabalho do campo em suas várias estações do ano, regras de vestuário de acordo com as estações, suas máximas morais e suas proibições.

“A sua forma, o seu conteúdo e a sua estrutura revelam imediatamente a sua herança popular (grifo nosso). Opõem-se totalmente à cultura da nobreza. A educação e a prudência na vida do povo não conhecem nada de semelhante à formação da personalidade total do homem, à harmonia do corpo e do espírito, à destreza igual no uso das armas e das palavras, nas canções e nos atos, tal como exigia o ideal cavaleiresco. Em contrapartida, impõe-se uma ética vigorosa e constante, que se conserva imutável através dos séculos, na vida material dos componentes e no trabalho diário da sua profissão. Este código é mais real e mais próximo da Terra, embora lhe falte uma grande meta ideal” (ibid.: 91).


Hesíodo, pela primeira vez, preenche essa lacuna, juntando a esses elementos culturais, em forma de poesia, a idéia de direito, expressa através de sua vida de trabalho, no sentido de combate às usurpações promovidas por seu próprio irmão, transformando-se num devoto fervoroso do direito (dike). O trabalho e a justiça tornam-se componentes intrínsecos de suas bases educativas. Para ele, não há um sem a existência do outro. Em seus versos expressa:

“A tribo dos imortais irão, abandonando os homens,  respeito e justiça distributiva; e tristes pesares vão deixar aos homens mortais. Contra o mal força não haverá!” (Hesíodo, 1996: 37).

Não há saída, portanto, para o poeta, entendendo-se que, caso não exista respeito pelo trabalho, também estará comprometida a justiça. Nesse sentido, acrescenta:

“O excesso é mal ao homem fraco e nem o poderoso  facilmente pode sustentá-lo e sob seu peso desmorona  quando em desgraça cai; a rota a seguir pelo outro lado é preferível: leva ao justo; Justiça sobrepõe-se a excesso  quando se chega ao final: o néscio aprende sofrendo” (Hesíodo, 1996: 39).

        É bom lembrar a figura de Prometeu que furtou o fogo de Zeus, repassando-o aos humanos e, por isso, foi merecedor de castigo. “Oculto retém o deus o vital para os homens; senão comodamente em um só dia trabalharias para teres por um ano, podendo em ócio ficar” (Hesíodo, 1996: 25). O raio do soberano do Olimpo não mais seria orientado em proveito dos mortais, não mais garantiria o sustento através do produto da terra, de forma natural. O surgimento do trabalho é expressão do conflito entre Zeus e Prometeu e, também, da separação entre deuses e humanos que viviam juntos. “Agora, o homem deverá trabalhar sua terra para conseguir frutos. É o fim da idade do ouro, cujo mito marca claramente a oposição entre a fecundidade e o trabalho” (Hesíodo, 1979: 13).
        A obra “Os trabalhos e os dias” constitui um fecho da expressão educativa fundada na forma descritiva da terra, através do trabalho cotidiano, revelando a totalidade da vida, seu ritmo e beleza, justeza e honradez, que fundamentam a ordem moral do mundo, englobando, ainda, uma ética do trabalho e da profissão que não vivem separados no pensamento hesiódico. Esse rico tesouro experiencial deriva, através da vida e do trabalho, de uma tradição milenar já bastante enraizada, externando um vigor dessa sua realidade que deixa de lado o convencionalismo poético de alguns cantos homéricos. Um vigor que só estimula, com toda a plenitude, a vida de trabalho no campo. Hesíodo torna-se um arauto dessa intimidade com a terra, planeando os próprios valores nesse estilo de viver, encontrando, mesmo na aspereza e nas atividades do dia-a-dia, um significado e uma finalidade.

“Na poesia de Hesíodo consuma-se diante dos nossos olhos a formação independente de uma classe popular (grifo nosso), excluída até então de qualquer formação consciente. Serve-se das vantagens oferecidas pela cultura das classes mais elevadas e das formas espirituais da poesia palaciana; mas cria a sua própria forma e o seu ethos exclusivamente a partir das profundezas da sua própria vida” (Jaeger, 1994: 103).


O conteúdo dos poemas de Hesíodo tem compreensão limitada aos camponeses, marcados pelo seu estilo de viver e de se identificar com as características próprias da vida campesina. Já o conteúdo moral implícito é acessível a qualquer povo.
Mas, a identificação maior da educação grega não está no campo. É na polis onde se realiza a formação mais marcante e acabada. Todavia, importância igual, ou mesmo maior, foi dada a Hesíodo pelo povo grego, ao torná-lo um educador orientado para os ideais do trabalho e da justiça. Desde a sua época, censurava senhores venais quando do exercício de sua função de julgamento, atropelando o direito. Direito que se transforma em luta de classe, antecipando-o como um reclamo universal. “Direito escrito era direito igual para todos, grandes e pequenos” (Jaeger, 1994: 134). 
        A dimensão do ser justo passa a ter significado concreto entre os gregos, como aquele que obedece à lei e se regula por suas disposições e, mesmo na guerra, está cumprindo o seu dever. Habitualmente, as virtudes foram expressas em quatro: a fortaleza, a piedade, a justiça e a prudência; mas é na justiça que todas estão concentradas, considerando que esta, no sentido mais geral, para além do jurídico, engloba a totalidade das normas morais e políticas. Nessa organização de Estado, fundamentado na noção do direito para todos, é que foi se pautar a vida na polis grega, criando a figura do cidadão, um novo tipo para uma nova comunidade.
        A presença, agora, do Estado passa a dar dupla conformação política na vida humana: uma vida privada e uma vida pública, no espaço da polis. Uma rigorosa distinção  estabelece-se entre aquilo que lhe é próprio e aquilo que é comum. Um modo de vida que deixa de lado a dimensão da educação hesiódica, pautado pela idéia do trabalho, impregnado de um conteúdo da vida rural. Embora reconhecendo esta importância, o processo civilizatório grego tomou um rumo completamente diverso.
        A dimensão educativa marcante, em Hesíodo, estava voltada à realidade mesma. Além disso, exigia dessa realidade o ponto de partida para o seu desenvolvimento. Era um tipo de educação que buscava a afirmação daquele que se educava. Educação fora de qualquer dimensão ideal, mas sim fruto do ambiente, possibilitando a dimensão de universalidade, exigida por qualquer processo educativo. A educação nesses moldes conduz para a afirmação do educando ao se voltar à sua realidade e, sobretudo, por ter nessa realidade o ponto de partida e o ponto de chegada do ato educativo. Enquanto se afirma, procura, incessantemente, a justiça como a medida necessária ao indivíduo, definindo a reivindicação do direito para todos. Estão se constituindo, dessa maneira, os elementos constantes do processo educativo, voltados a todos aqueles que não são reconhecidos (as maiorias da população ou os populares), sendo-lhes negada a justiça.
       





[1] Beisiegel, Celso de Rui. Estado e Educação Popular: um estudo sobre educação de adultos. São Paulo: Pioneira, 1974.
[2] Casal de professores universitários que atuam na zona rural e assessoram a educação fundamental, no município de Campina Grande, PB.  Ver o livro: Van Der Poel, Cornelius Joannes e Van Der Poel, Maria Salete. Letramento de pessoas jovens e adultos na perspectiva sócio-histórica. João Pessoa: Editora União, 1997.
[3] Vários e importantes pesquisadores no campo da educação popular, como Vanilda Paiva, Osmar Fávero, Celso de Rui Biesiegel, Luiz Eduardo Wanderley, Carlos Rodrigues Brandão (sobretudo em suas obras da década de setenta e oitenta) vêem dificuldades na conceituação da educação popular, considerando a diversidade de movimentos onde pode ser exercitada.
    Outros pesquisadores vêm contribuindo para o avanço do debate sobre as mais diferenciadas questões nesse campo. É possível citar alguns como Timothy Ireland, em educação de jovens e adultos; Eymard Vasconcelos, no campo da educação popular e saúde; Wojciech Kulesza, na metodologia e história das ciências e educação popular; Alder Júlio Calado, em movimentos sociais e educação popular; Luiz Rodrigues, nos aspectos psicológicos da educação popular e outros, no Programa de Pós-graduação em Educação Popular, da Universidade Federal da Paraíba. Acompanham pensadores como Etore Gelpi, na busca de novos paradigmas para a educação popular; Michel Seguier com suas análises sobre a criatividade coletiva; Osmar Fávero, na história da educação popular; Francisco Vio Grossi, na educação de adultos na América Latina; Alfonso Lizarburu, Oscar Jara, João Francisco de Sousa e Sérgio Haddad, além de outros. 
Há importantes arquivos de organismos que mantêm a sua atuação em educação popular, como o do Centro de Documentação e Informação (CEDI), o Centro Pastoral Vergueiro e o Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae (CEPIS), o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS),  o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU) e mais recentemente o Instituto Paulo Freire., em Pernambuco, e O Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas, em Pernambuco. Além destes, há um conjunto de organismos que atuam no campo de economia solidária, podendo contribuir ainda mais para a discussão em educação popular, como a ANTEAG, a FASE e ADS/CUT e outros.
[4] Cantor e compositor paraibano, tido como um dos nomes da trilogia da música popular nordestina, juntamente com Luiz Gonzaga e Luiz Vieira. O pássaro casaca-de-couro faz seu ninho de gravetos de espinheiros entrelaçados, de difícil acesso a outros bichos, chegando, às vezes, a um metro de cumprimento.

[5] Filósofo brasileiro. Ver:  Pinto, Álvaro Vieira. Ciência e Existência – problemas filosóficos da pesquisa científica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
[6] A sabedoria popular antecede a tecne e o saber científico. Na filosofia de Platão e Aristóteles, a tecne adquire o significado atual da palavra teoria, contrapondo-se à mera experiência. Teoria em função de uma prática (Aristóteles), diferente da perspectiva de Platão como teoria da “ciência pura”.
[7] Homero e Hesíodo, poetas gregos, que viveram entre os séculos VIII e VII a.C. e marcaram a educação e a formação humana, grega e ocidental.
[8] Denominados, posteriormente, de Os trabalhos e os dias.
A procura por justiça e pela afirmação de um povo, de uma comunidade ou de uma maioria, ou mesmo de um tipo comunitário, através do processo educativo, tornou-se traço constitutivo dos movimentos de contestação, durante a Idade Média. Está presente, inclusive, nos dias atuais, como uma marca dos movimentos sociais populares, o grande esforço no sentido da construção da identidade dos grupos sociais em movimento, como forma de definição de seu campo de ação política e educativa. Para Calado (1999: 23), essa busca de construção da identidade “implica, de um lado, o esforço de identificar e superar adversidades interpostas a tal caminhada e, de outro, perseguir determinado alvo, objetivos ou mesmo um projeto alternativo ao que aí está ”.
        Este aspecto do popular já se esboçara em comunidades antigas, como a judaica, com as mesmas características construtoras de identidade. A Bíblia narra vários episódios mostrando revoltas populares presentes na história do povo judeu. Revoltas em que o povo  lutava pela sobrevivência e pela afirmação de sua identidade e por justiça igual para todos.
Nos primórdios da Idade Média, são marcantes os movimentos de contestação contra a cobrança obrigatória do dízimo e o acúmulo de terras, por parte da Igreja Cristã. Para o historiador Hoonaert (1986), constituíram-se como “um grande movimento popular”. Ainda na Idade Média, segundo Calado (1999), ocorreram vários movimentos sociais populares com características semelhantes àquelas presentes na Antigüidade e, marcadamente, com dimensões subversivas à situação em vigor. Expressaram sua própria afirmação e resistência aos ditames e mecanismos de controle social da época, sobretudo à poderosa Inquisição.
O referido autor destaca os cátaros ou albigenses, apresentando a sua indignação diante da ordem religiosa vigente e seu combate sistemático ao estado de violência e de corrupção que se ampliava com a nobreza feudal e pela hierarquia eclesiástica. Eram movimentos compostos de gente simples, das classes populares. É marcante a presença dos  valdenses e as beguínas que, juntos, apresentavam em comum (como marca do popular contida nesses movimentos) a contestação e a resistência, definindo as suas próprias alternativas.

“Ao mesmo tempo em que se insurgem contra as práticas e os métodos do establishment eclesiástico, tratavam de anunciar uma ordem alternativa à de então, por seu discurso e por suas práticas, por meio das quais, mais do que propriamente inovar, buscavam recuperar os valores fundantes do Cristianismo” (ibid.: 81).


Na modernidade, são freqüentes os movimentos que marcam as lutas pela superação da situação política dominante. Sobressaem-se as revoluções liberais modernas e dentre estas a revolução francesa que trouxe ao cenário das lutas políticas setores sociais simples ou populares, lutando por liberdade, fraternidade e igualdade (justiça). Uma revolução realizada por vários setores sociais e marcadamente pelos setores populares, definindo alternativas para uma vida digna. Contudo, é em Marx que se encontra um avanço fundamental na busca por alternativa, em “O manifesto comunista”. Nessa obra, ele aponta como bandeira à classe proletária (classes trabalhadoras, classes humildes, classes populares) a necessidade de luta e de alternativa, ao apresentar como necessária “a conquista do poder político pelo proletariado” (Marx, 1999: 30). Fecundou os movimentos de libertação, em todo o século XX, com a sua célebre exortação: Proletários de todos os países, uni-vos.
Mas, durante o século XX, o que foi entendido como popular? O que revelaram os movimentos sociais que atuaram na organização do povo, na organização dos trabalhadores? Nos processos de organização dos setores proletarizados da sociedade, várias experiências de grupos políticos[1] e partidos políticos trazem o termo popular em suas bandeiras de lutas, seus projetos ou nas formulações políticas. A insurreição de 1935, no Brasil,  orienta-se por um “programa de governo popular, nacional, revolucionário”[2]. Esse programa tinha no popular a expressão de interesses das “grandes massas da população”, adquirindo a dimensão de controle direto das ações políticas pelo povo, buscando a democracia e a liberdade de expressão.
A Frente Popular do Chile trazia nas suas formulações internas a necessidade da ampliação da própria Frente, reconhecendo a insuficiência da unidade, envolvendo, simplesmente, a classe operária. Tratava-se de uma frente política que via no conceito de popular a possibilidade de se contar com outros e novos aliados. Com esta mesma perspectiva, surgiu o Partido Popular, no México[3], que passou a veicular uma compreensão do termo com maior abrangência do que aquela da Frente, considerando que pelo popular é possível um grupo político de cooperação com o governo. A esse respeito, Löwy (1999: 168) esclarece:

“A elevação do nível de vida do povo interessa tanto ao proletariado e aos camponeses, quanto às pessoas de classe média e aos membros das organizações burguesas progressistas. Defender sua soberania e a independência da nação interessa ao proletariado, aos camponeses, à pequena burguesia da cidade, à grande burguesia progressista do país”. 

Recentemente, também no Chile, deu-se a composição entre o MIR e a Unidade Popular[4] que saíram da clandestinidade, após a vitória de Allende. Tinham no popular a perspectiva de poder autônomo, independente e alternativo ao Estado burguês, combatendo a estratégia reformista de que as massas estivessem subordinadas à democracia desse tipo de Estado. No Brasil, o Partido Comunista do Brasil (PC do B)[5] lançou a “guerra popular”. Ao mostrar o caminho para essa guerra, expressou uma concepção voltada à ampliação dos agentes dessa revolução: o povo. Para o partido (ibid.: 434), “a luta armada em que se empenhará o povo brasileiro terá um profundo conteúdo popular, englobando as mais amplas massas da população”.
Outro movimento marcante na história política da esquerda no Brasil deu-se com a criação do Partido dos Trabalhadores[6]. Este formulou uma política como “estratégica democrática e popular, devendo conduzir um programa com as mesmas características”, ou seja, o socialismo petista. Trata-se de uma perspectiva que concebe o popular como ampliação das forças possíveis de mudanças para além da classe trabalhadora, na construção da democracia. “Na verdade, a democracia interessa, sobretudo, aos trabalhadores e às massas populares” (Resoluções, 1998: 429). O Programa democrático e popular, projeto de sociedade para o país, só se concretizará através de uma perspectiva de ampliação (aliança) e resistência desses atores sociais que vislumbram as transformações sociais. Nesse sentido, o popular tem um nítido componente classista, abrangendo as classes trabalhadoras, os camponeses, os setores médios da sociedade, além de setores da pequena burguesia.
Popular ainda aparece em movimentos como o do Exército Zapatista de Libertação Nacional[7], inserido no caudal teórico reivindicatório e traduzido pela aspiração de democracia e liberdade. “Nossa luta se apega ao direito constitucional e é motivada pela justiça e pela igualdade” (Primeira Declaração da Selva Lacandona, In: Lowy, 1999: 515). Nesse contexto de luta pela vida, também no Brasil, em especial decorrente da questão fundiária surge, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST)[8]. Defendendo a reforma agrária, preocupa-se com o consumo popular como expressão dos que estão sem qualquer tipo de assistência. “Dessa forma, tanto os pequenos produtores familiares, como os produtos destinados ao mercado interno para consumo popular, sempre estiveram à margem das prioridades da pesquisa agropecuária e da assistência técnica, mantidas pelo Estado” (ibid.: 519).
        Mas essa discussão conceitual passa por intelectuais, basicamente por aqueles que atuam no campo da educação popular. Paulo Freire, por exemplo, em duas de sua ampla obra, “A Educação como Prática de Liberdade” e “Pedagogia do Oprimido”, externa seu entendimento de popular como sinônimo de oprimido. Trata-se daquele que vive sem as condições elementares para o exercício de sua cidadania, considerando que também está fora da posse e uso dos bens materiais produzidos socialmente. A educação popular, isto é, tendo como ponto de partida a realidade do oprimido, pode se tornar um agente importante  nos processos de libertação do indivíduo e da sociedade. O popular adquire, a partir da ótica da cultura do povo, um significado específico no mundo em que é produzido, baseando-se no resgate cultural desse povo. Os processos simbólicos, dessa forma, têm razão no ambiente da própria comunidade, porém no sentido da ampliação do horizonte cultural das classes. O conceito é o elemento adjetivante da educação, enquanto propõe a construção das utopias libertárias, na tentativa de superação da exploração do oprimido. Para Jiménez (1988), é importante a construção dos setores populares com o papel de defender seus interesses, construindo também a sua própria identidade cultural.  
        Manfredi (1980) associa o popular, vinculado à educação, no sentido de prática para a autonomia, enquanto seja capaz de gerar um saber-instrumento e, sobretudo, quando contribui para a construção de direção política. Wanderley (1979 e 1980) vincula o conceito de popular ao de classes populares[9] como algo que é legítimo, que traduz interesses dessas classes, podendo adquirir o significado como algo “do povo”. No senso comum, povo é entendido como sendo aquele segmento de poucos recursos, posses e títulos. É um sentido dicotômico, fixado pelas expressões como elite-massa, em que o termo “massa” exprime pessoas desorganizadas e atomizadas. Outra compreensão percebe na expressão “do povo” um conjunto de indivíduos iguais e com interesses comuns com pequenos conflitos, apenas. Na visão nacional-popular, “o povo” é identificado como aquele conjunto de pessoas que lutam contra um colonizador estrangeiro, ou a visão “de povo” expressando as classes subalternas da sociedade, tendo por oposição as classes  dominantes. Há ainda o conceito de “povo” como o segmento social dinâmico, aberto e também conflitivo, sendo, portanto, histórico e dialético, enquanto que se dinamiza e se atualiza de forma permanente.
        O termo popular tem se apresentado com diferenciados significados, como se pode ver em Bezerra (1980). Ao estudar as novas dimensões entre as práticas de educação popular, no final da década de 50 e início dos anos 60, a autora mostra um conceito atrelado a essas práticas direcionadas para o exercício da cidadania, no sentido de que as maiorias possam assumir o seu papel sócio-político naquela conjuntura. O conceito retoma uma política de resistência, como uma necessidade para os grupos populares (do povo) na busca de mudanças, “no estabelecimento de melhor padrão de funcionamento da sociedade” (ibid.: 26). Na compreensão de Brandão (1980: 129), o popular vincula-se à classe e à liberdade, ao mostrar que “o horizonte da educação popular não é o homem educado, é o homem convertido em classe. É o homem libertado”. Para Beisiegel (1992), o popular vem atrelado às práticas educativas em educação popular. Nesse sentido, a origem desse agir educativo, historicamente, está também nas hostes do Estado e suas formulações têm sido geradas nas elites intelectuais. Todavia, esses processos expressam um entendimento como algo necessário, sendo útil à preparação da coletividade para a realização de fins determinados.
Souza (1999) vincula o popular aos movimentos sociais populares.  Esses movimentos expressam correntes de opiniões capazes de firmar interesses diante de posicionamentos contrários dos dominantes. Elas são externadas sobre os vários campos da existência individual e coletiva desses setores da sociedade. Nesse sentido, o autor considera os “segmentos sociais explorados, oprimidos e subordinados, cujos temas, quase sempre de maior incidência em suas vidas, em seu cotidiano, são: trabalho, habitação, alimentação, participação, dignidade, paz, direitos humanos, meio ambiente, gênero, gerações etc” (ibid.: 38).
Essa questão conceitual também passa pelo debate sobre comunicação. Nesse sentido, é necessária a apresentação da perspectiva do popular no seio da comunicação nos movimentos sociais. Assim, pode adquirir também outras conotações, como enfoca Peruzzo (1998: 118): a) o popular-folclórico, que abrange expressões do senso comum, presentes nas festas, danças, ritos, crenças costumes e outras formas; b) o popular-massivo, que se inscreve no universo da indústria cultural, adquirindo três outras dimensões: a apropriação e a incorporação de linguagens, de religiosidade ou outras características do povo; a influencia e a aceitação de certos programas massivos de rádio e TV;  as programações voltadas aos problemas da comunidade, entendidos como de utilidade pública; c) o popular-alternativo, que se situa no universo dos movimentos sociais.     
Esta última forma caracteriza-se como algo novo, na medida em que vincula a comunicação popular a algo voltado às classes subalternas da sociedade, às “lutas do povo”, adquirindo duas possibilidades, segundo Canclini (1987):  a primeira concebe o popular como sendo algo libertador, revolucionário e portador de conteúdos críticos, concretizando-se através de alternativas marcantes no início da década de 80;  a segunda nasce nos anos 90, diante das mudanças que vinham ocorrendo. Nessa concepção, o popular apresenta-se numa perspectiva dialética e mais flexível, como algo que  contribua para a democratização da sociedade e da cultura.
Na perspectiva do popular como algo que promove a democracia, segundo Rodrigues (1999: 23), há a exigência de que os grupos que compõem o povo precisam se comportar democraticamente. Para ele, “muito mais através de ações que de palavras, a educação popular objetiva democratizar a sociedade e o Estado, mediante a formação de hábitos, atitudes, posturas e gestos democráticos, dentro dos grupos onde atua”. Esclarecedora, contudo, é a perspectiva do popular no campo da saúde, como expressão daqueles que são trabalhadores ou seus filhos. São os infectados por várias doenças ao mesmo tempo. A esse respeito, Vasconcelos (1999: 21) aponta:

“Diarréia, escabiose (sarna), verminoses intestinais, impetigo (perebas), micoses cutâneas, doenças venéreas, infeccões exantemáticas agudas (como catapora, rubéola e sarampo), resfriados, pediculose (infestação por piolho), pneumonia, tungíase (bicho-de-pé), faringites e outras doenças infecciosas e parasitárias fazem parte da rotina diária das famílias das classes populares brasileiras”. 

Mas que compreensões[1] estão sendo veiculadas por aqueles que vivenciam, dirigem ou assessoram movimentos sociais? Nessa passagem de século, as concepções continuam muito variadas. Dirigentes de movimentos sociais, no campo do sindicalismo, estão compreendendo o popular “como toda e qualquer ação que provoque transformação, defendendo os interesses da maioria da população”[2]. É uma perspectiva que insere a visão classista no conceito, compreendendo como classe a maioria da população. Para outros dirigentes de movimentos fora da estrutura sindical, o popular significa “ações ligadas a uma parcela da sociedade que não tem acesso aos direitos, ao trabalho, enfim ao mínimo de condições para uma vida digna” [3].
Outra percepção vincula-o ao projeto político-popular como “um projeto de transformação social que saia dos modos de produção, organização e valores capitalistas, tendo uma concepção socialista de justiça social” [4]. Ser popular é um exercício de transcendência do modo de produção capitalista. Pode ainda conter uma metodologia que contenha “procedimentos de ação política que se articulem com as demandas dos excluídos”[5]. O popular implica, originariamente, uma vinculação aos setores excluídos (povo) dos bens culturais produzidos socialmente pela sociedade. Expressa, ainda, algo que “vem do povo, da classe subalterna da sociedade, atendendo aos interesses desta classe”[6].  Ou mesmo como “aquilo que seja realizado na perspectiva de transformar a realidade, de conscientizar e libertar” [7].
É importante destacar, nesse percurso conceitual, as diferenciadas alternativas apresentadas por dirigentes partidários que têm em suas formulações estratégicas de sociedade a dimensão do popular, como os que defendem um “programa democrático e popular” para o país. É fácil perceber-se quão variadas têm sido as compreensões do termo entre militantes partidários ou de movimentos sociais, refletindo-se em suas ações políticas nas cidades onde vivem. Tornou-se possível, dessa maneira, a ‘catalogação’ das visões externadas, em quatro grandes blocos, como mostra o quadro a seguir. Há um bloco daqueles que compreendem o popular como algo que é, necessariamente, originado nas classes sociais, em particular na classe trabalhadora, também disseminadas em conceitos como: as maiorias, o povo, a população, os mais sofridos ou os excluídos.
Um outro bloco vislumbra o popular como algo que se expressa por encaminhamentos dirigidos a essas maiorias, pautado em procedimentos. Nessa concepção, ser popular é tornar-se expressão de uma metodologia, mas só terá significado quando expressar uma visão de mundo em mudança, contendo em suas ações a dimensão de propor saídas para as situações de miséria vividas pelo povo. É uma visão que exige iniciativas no plano político, normalmente, originais, pois marcam a própria autonomia desses movimentos definidores de um novo tecido social embasado em outros valores e objetivos. Esta perspectiva, entretanto, é bastante minoritária entre os ativistas dos movimentos sociais. Há, ainda, outras visões, pouco expressivas quantitativamente ou prisioneiras da idealização existente nesses movimentos sociais populares.


[1] Pesquisa desenvolvida no período de fevereiro de 1999 a junho do ano 2000. Foram entrevistados dirigentes de movimentos populares (Acorda Mulher, da cidade de Bayeux, Grande João Pessoa; Projeto Beira da Linha, Bayeux; Movimento Nacional de Meninos/as de Rua, João Pessoa); de organizações não- governamentais (SAMOPS, João Pessoa; SEAMPO, João Pessoa; Núcleo de Educadores Populares da Paraíba – Rede EQUIP de Educadores, João Pessoa; AGEMTE, João Pessoa); movimento sindical (Sindicato dos Professores, Sindicato dos Servidores em Saúde, Sindicato de Servidores Federais); organizações de assessoria aos movimentos sociais (PRAC/UFPB, Mulheres de Teologia do Partido dos Trabalhadores) e dirigentes do Partido dos Trabalhadores, distribuídos em todas as regiões geográficas do Estado da Paraíba.
[2] Entrevista com dirigente do Sindicato dos Professores da Rede Oficial do Estado.
[3] Entrevista com dirigente do Movimento Acorda Mulher, Bayeux/PB .
[4] Entrevista com dirigente do Projeto Beira da Linha, Bayeux/PB.
[5] Entrevista com dirigente do Movimento Nacional de Meninos/as de Rua/PB.
[6] Entrevistas com assessorias do SEAMPO/UFPB;  Rede de Educadores/EQUIP/Pb e AGEMTE/PB. 
[7] Entrevistas com dirigentes do Sindicato dos Servidores da Saúde e Sindicato dos Servidores Federais/PB.
Como se vê, popular adquire uma plasticidade conceitual, exigindo, para os dias de hoje, uma definição que, rigorosamente, passa por movimentos dialéticos intrínsecos ao próprio conceito, inserido no marco teórico da tradição e atualizado para as atuais exigências. Nessa perspectiva, é possível mostrar um movimento conceitual que envolva os elementos que sempre estiveram presentes nos variados momentos históricos e outros que foram sendo assimilados com o tempo. A pesquisa mostra essa dialética entre os elementos constitutivos do conceito. O termo relaciona suas dimensões constitutivas, ao mesmo tempo em que se diferencia de cada uma delas, porém mantendo-as na sua unidade conceitual. Suas dimensões fundantes são: a origem e o direcionamento das questões que se apresentam; o componente político essencial e norteador das ações; as metodologias apontando como estão sendo encaminhadas essas ações; os aspectos éticos e utópicos que se tornam uma exigência social.
        Algo pode ser popular se tem origem nos esforços, no trabalho do povo, das maiorias (classes), dos que vivem e viverão do trabalho. Mas a origem apenas não basta. A ação popular, inclusive, pode nascer de agentes externos, evitando-se, contudo, todo tipo de populismo que porventura possa surgir. Todavia, é preciso ter-se conhecimento da direção em que está apontando o algo que se postula popular. É preciso saber quem está sendo beneficiado com aquele tipo de ação. Algo é popular se tem origem nas postulações dos setores sociais majoritários da sociedade ou de setores comprometidos com suas lutas, exigindo-se que as medidas a serem tomadas beneficiem essas maiorias.
        Ao se definirem a direção e os interesses envolvidos, entra em cena uma segunda dimensão conceitual, que é a dimensão política. Ser popular é ter clareza de que há um papel político nessa definição. Essa dimensão política deve estar voltada à defesa dos interesses desses setores das maiorias ou das classes majoritárias. Em um segundo momento, essas ações políticas são, necessariamente, reativas às formulações ou às políticas que deverão estar sendo impostas a essas maiorias. Reativas no sentido de busca de alternativas ou de estratégias que conduzam às iniciativas para um plano político geral de sociedade. Reativas enquanto geradoras de ação própria e, normalmente, original, retirada da prática do dia-a-dia, ou quando se tornam capazes de compor um novo tecido social com
outros valores e objetivos. Ser popular, portanto, significa estar relacionando as lutas políticas com a construção da hegemonia da classe trabalhadora (maiorias), mantendo o seu constituinte permanente, que é a contestação. É estar se externando através da resistência às políticas de opressão, adicionadas às políticas de afirmação social. Uma ação é popular quando é capaz de contribuir para a construção de direção política dos setores sociais que estão à margem do fazer político.
        Contudo, esse fazer político pode se expressar de várias maneiras ou através de diferenciadas metodologias. A metodologia que confirma algo como popular tem o sentido de promover o diálogo entre os partícipes das ações. Sobretudo, deve ser contributiva ao processo de se exercer a cidadania crítica. Cidadania que se constitua como um exercício do pensamento, na busca das questões com as suas dimensões positivas e negativas contidas em qualquer ente de desejo de análise. Mas a cidadania não se resume à análise. É preciso também que o indivíduo se prepare para a ação, para desenvolver metodologias que exercitem o cidadão para a crítica e para a ação. Sua direção aponta no sentido de afirmação de sua própria identidade como indivíduo, como grupo ou como classe social. Busca ainda promover as mudanças que são necessárias para a construção de uma outra sociedade, mesmo que pondo em risco a ordem para que todos tenham direitos, e assim a justiça, efetivamente, seja igual para todos.
Essa metodologia, entretanto, rege-se por princípios éticos oriundos também das exigências do trabalho. Ser popular é estar dirigido por princípios voltados às maiorias. Nesse contexto, reafirma-se como fundamental o princípio do diálogo, oferecendo condições para a promoção do pluralismo das idéias. Este deve ter condições de promover princípios como a solidariedade e a tolerância, sem cair no relativismo ético, na busca incessante da promoção do bem coletivo.
Esse conceito arrasta para si definições envolvendo as utopias tão necessárias para os dias atuais. Ser popular é tentar alternativas. É estar realizando o possível, mas que, ao se realizar, abre, contraditoriamente, novas possibilidades de utopias, cuja negação trará os elementos já efetivados e tentativas de novas realizações. Isto só ocorre, contudo, quando da sua realização mesma, caminhando para aquilo que, efetivamente, é o necessário. A utopia da democracia tem um valor permanente e deve ser vivida sem qualquer entrave. Precisamente, nos espaços da realização e da não-realização, estão as suas contradições e suas dificuldades maiores. Entretanto, não podem transformar-se em agentes impeditivos da intransigente e radical busca por novas concretizações de sonhos de liberdade e de felicidade.
d) O concreto
Essa busca radical cobra uma metodologia que seja voltada às perspectivas de atendimento desses sonhos. A teoria do conhecimento dessa metodologia exige que os dados contribuam para gerar um conhecimento necessário e ainda se preste para atender os interesses das classes que se libertam. Os constituintes metodológicos para o campo da produção do conhecimento podem ser os da metodologia dialética e os da teoria política da hegemonia[1]. A dialética a ser adotada se externa como um método que se eleva do abstrato ao concreto. De forma triádica, pode-se expressar como um movimento em torno dos seguintes vetores: o concreto real, a abstração e construção teórica de um novo concreto - o concreto pensado.
Mas, como se desenvolverá a análise em uma experiência de educação ou mesmo de uma sociedade? Nesse aspecto é preciso considerar o método de análise da economia política. Em Marx, esse é um método que se inicia sempre pelo real e pelo concreto, parecendo esta a forma correta. No estudo de um país, parece ser correto iniciar-se pela população que se constitui na base e no sujeito social da produção. Porém, uma observação mais atenta, segundo ele, mostra que a população, mesmo sendo tão concreta, é, na verdade, uma abstração.  Por conseguinte, esse  método é falso. A esse respeito, Marx (l978: 116) afirma:

“A população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem. Por seu lado, estas classes são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos em que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital, etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços, etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço, etc., não é nada. Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações as mais simples. Chegados a este ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma representação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas”.

Assim, o pensamento pode mover-se por dentro de suas partes do universo, apreendendo as suas interconexões e o conjunto no qual elas se fundem. Contudo, é em Limoeiro Cardoso (1990: 19) que se encontra um acompanhamento mais explícito sobre o desenvolvimento desse método, que está subdividido em seis partes:

“A primeira trata do método em geral e indica um movimento que é exclusivamente teórico, passando-se totalmente no abstrato. A segunda afirma a anterioridade do concreto. A terceira propõe e resolve uma relação específica entre o real e o teórico, desdobrando as relações entre as categorias mais simples e as mais concretas. A quarta precisa a condição da produção das abstrações mais gerais a partir do desenvolvimento concreto mais rico. A quinta indica que é no último modo de produção já estabelecido, porque o mais complexo, rico e variado, que se torna possível a inteligibilidade não só dele mesmo, como também de todas as sociedades anteriores. A sexta retorna ao método, estabelecendo que a ordem das categorias deve seguir uma hierarquia teórica, em função da sua importância correlativa dentro da sociedade mais complexa, base das abstrações mais gerais e categorias mais simples, e não em função do seu aparecimento histórico”.

Para a autora, esta divisão vai possibilitar uma segunda apreensão do método, que está assim exposta:
1. Do abstrato para o concreto pensado. Na crítica ao método da economia clássica, considera-se que esta inicia sua análise a partir do concreto. Este concreto só pode ser entendido à medida que se vão descobrindo as suas determinações. A realidade social é determinada e não uma obra natural. Há relações específicas que a determinam, respondendo a uma certa causalidade. Nesse sentido, a realidade social é determinada e só é possível a sua explicação, quando também se apreenderem as suas determinações.
        Na suposição de que não existam determinações essenciais, a realidade é concebida como se esgotando no mundo dos fenômenos. Para Marx, no entanto, a realidade é determinada, é produto de determinações que não se encontram no mundo fenomenal. Desse modo, enquanto o pensamento não alcançar as relações profundas (não-aparentes) entre os fenômenos, apenas conseguirá descrevê-los, jamais explicá-los. O concreto real, de que partem os economistas clássicos, apresenta um sentido que não é previamente dado, mas sim “adquirido pela ação do pensamento, na abstração” (ibid.:21). Este concreto real é uma abstração. “Assim, um procedimento como este não parte do concreto, como se supõe, e sim da abstração, e não pode sequer procurar condições para reencontrar o concreto, porque supõe, enganosamente, que já o incorpora à análise desde o início” (ibid.: 21).
        O real, nesse sentido, se apresenta com um caráter caótico. Havendo uma ordem no real, essa ordem não pode ser considerada como já-dada. Ela só pode ser atingida pelo pensamento que a investiga, aprofundando-se no mesmo. Essa investigação, contudo, não terá respostas imediatas dos dados ou contatos do real, mas será produto da reflexão que, informada pela teoria, vai em busca da realidade externa. Possibilita-se, assim, a compreensão da formulação de Marx em que “o concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações”. A totalidade real se constitui, portanto, do conjunto das determinações, juntamente com o que elas determinam.
        Nas análises de experiências em educação popular que sejam feitas com métodos que contemplem as perspectivas empíricas, não se pode atingir essa totalidade real onde essas práticas de educação se exerçam, valendo-se daquele método. A partir de uma análise que procede do real, não se consegue reproduzi-lo enquanto totalidade significativa. Este traz, em si mesmo, um impeditivo para tal conhecimento. Em Marx, segundo a autora, há uma proposta de procedimento novo: “do abstrato (determinações e relações simples e gerais) ao concreto (que então não é mais ‘uma representação caótica de um todo’ e sim ‘uma rica totalidade de determinações e de relações diversas’)”. O método de Marx vai do abstrato ao concreto. “E o mais importante, este concreto é um concreto novo, porque pensado. É um concreto produzido no pensamento, para reproduzir o concreto real (as determinações abstratas  conduzem  à  reprodução  do  concreto   por   meio   do   pensamento)” (ibid.: 23).
2. Anterioridade do concreto. O movimento de produção/reprodução do concreto, no caminho de volta, e o que constitui esse concreto a que se chega precisam ser explicitados, considerando que o concreto é concreto porque se constitui em síntese de múltiplas determinações. “O caráter de concreto está estreitamente vinculado ao de determinação. O que conta de fato são as determinações. Atinge-se o concreto quando se compreende o real pelas determinações que o fazem ser como é” (ibid.: 24).  O concreto é síntese de muitas determinações e, assim, é uma totalidade: “unidade determinante/determinado”. Esse processo aparece, então, no pensamento como expressão de uma síntese, porquanto é unidade do diverso, como resultado e não como ponto de partida. Ele não se constitui simplesmente de um dado, mas é o resultado de um elaborado processo de pensamento.

“E se esse processo começa cientificamente no abstrato, seu verdadeiro ponto de partida é o real. Está dito, explicitamente, que o verdadeiro ponto de partida do pensamento é o real, que é o ponto de partida da percepção e da representação. O papel do real para o pensamento e para o conhecimento não é, pois, eliminado como se, por ser o abstrato o campo próprio do teórico (em que se move o pensamento para produzir conhecimento) para ele, teórico, o real não existisse senão sob a forma pensada. Uma coisa é afirmar que o concreto só faz parte do teórico como concreto pensado; outra coisa diferente é afirmar que o concreto real não se relaciona com o teórico (abstrato), sob a alegação de que o teórico só pode afirmar do concreto o que sabe dele, isto é, o que tem precisado sobre ele. A perspectiva seguida por Marx é a que ele explicita, de que o concreto aparece no pensamento como resultado, embora seja o verdadeiro ponto de partida. O pensamento parte do concreto (real), ainda que só se torne verdadeiramente científico quando retoma o concreto, pensando-o, a partir do abstrato (suas determinações atingidas pelo pensamento originado no concreto”(ibid.: 25).


        Nesse momento, tem-se em Marx, segundo Limoeiro Cardoso, um triplo movimento. O primeiro parte do real, porém se afastando cada vez mais dessa realidade, através da abstração, atingindo conceitos mais simples desse real. O segundo é o início da atividade científica propriamente dita, onde se tem como caótica a representação do real. Nesse movimento, não se parte do real ou de sua representação imediata caótica e abstrata. Parte-se dos conceitos mais simples produzidos pelo movimento anterior. Esse movimento seria a busca pela especificação das determinações gerais e simples, configurando um movimento de reconstrução teórica. Finalmente, o terceiro movimento é o da construção teórica de reprodução do concreto.

e) O trabalho

O trabalho possibilita o caminho das abstrações que conduz à definição de categorias do real, buscando aquelas categorias mais simples, porém com possibilidade de maiores explicações para a situação em que se encontram a realidade e as situações de determinação, onde estão acontecendo atividades de educação. O trabalho se constitui como elemento constante na dimensão do popular, sendo o fazer educativo, efetivamente, o trabalho em si mesmo. Na educação voltada aos interesses dos trabalhadores, o trabalho intelectivo dos atores dessa educação percorre o caminho da produção de abstrações mais gerais com condições explicativas da situação de vida daquela comunidade ou grupo social. 
Com essas abstrações mais gerais, torna-se possível a compreensão da situação do momento em que se vive, possibilitando além disso maiores e melhores explicações históricas das determinações de cada momento histórico dos objetos de estudo. Assim, torna-se possível a definição daqueles instrumentos teóricos, das categorias teóricas que possibilitam, finalmente, definir-se de que forma montar a análise e por onde começá-la, buscando resposta às questões levantadas. É um processo de trabalho que vislumbra a produção do conhecimento social e útil, capaz de tentar superar a realização do trabalho alienado.
Este trabalho social gera um produto que também apresenta suas contradições, mas que se constituirá, sobretudo, como uma mercadoria social, na medida em que é produzida por aqueles que realizam a educação de cunho popular. É um produto, seja conhecimento teórico ou tecnológico, que precisa ser gerenciado pelos produtores principais, tornando possível a socialização desse produto, caracterizando esse momento como o da devolução das análises ou outros produtos culturais aos seus produtores. Vive-se, nesse momento, a apropriação dos bens culturais, por meio desse trabalho intelectivo ou técnico. Isto possibilita um novo agir sobre a realidade, gerando conhecimento nas ações pedagógicas, aprimorando, ainda mais, a capacidade de aprender desses atores, buscando dimensões outras de facilitação dessa aprendizagem, elaborando outras teorias em educação, e ainda desenvolvendo as suas habilidades políticas para intervirem na elaboração da própria política da educação com novas normas e orientações pedagógicas. Um trabalho que, do ponto de vista ontológico, orienta-se para a realização das necessárias transformações, buscando-se a superação de processos de exclusão e promotores de injustiças.
O trabalho, enquanto categoria que embase a educação popular, se concretiza nas ações do coordenador de grupo de educação, dos educandos e por todos, como construção teórica de categorias que os instrumentalizem para análises sobre a realidade e as questões comunitárias. Um trabalho que irá se expressar, também, como um direito e um dever das pessoas. As necessidades de transformação contidas na ação pelo trabalho são expressão das necessidades da comunidade ou da população para gerar riquezas para todos. O trabalho como condição básica do existir humano – a produção de sua sobrevivência.
Com essa dimensão, o trabalho provoca, de forma intrínseca, a necessidade de participação na criação e na transformação do meio ambiente, da vida, da história. Do ponto de vista econômico, possibilitando gerar ocupação para todos, promove a subsistência também de todos. Trabalho como expressão de apoderamento dos bens culturais produzidos pela humanidade. A posse de bens culturais, de forma geral, vai favorecendo a caminhada pela igualdade, liberdade e autonomia das  pessoas. 


f) A autonomia/liberdade/igualdade

        Autonomia pode ser entendida como a condição de cada um de poder governar-se por si mesmo e de forma independente[1]. Interliga-se com a liberdade, tendo em Kant o significado da capacidade que o indivíduo tem de agir por si mesmo. Como liberdade, autonomia pode traduzir um sentido político. É de Spencer a conhecida formulação de que “a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”. Há, de forma explícita, uma delimitação para o exercício da autonomia, traduzida pela limitação direta do exercício da liberdade. Liberdade de poder exercer os direitos elementares da pessoa, como o de expressar o seu pensamento de forma oral ou escrita. Isto, contudo, traz em si mesmo a responsabilidade pela ação ou as conseqüências dos atos. Particularmente a forma oral, em que a educação popular se realiza, já lembra Freire, tem o papel de quebrar o silêncio incrustado nas pessoas.
Autonomia e liberdade em educação popular adquirem uma dimensão particularmente filosófica, trazendo a discussão de sua realização em sentido absoluto, total. É possível a sua efetivação in totum? E os condicionantes sociais, políticos, econômicos, biológicos, psicológicos que a limitam? Ora, Sartre encontra no ser humano a possibilidade de realização da liberdade. Para ele, “o homem é livre - porque somos aquilo que fazemos do que fazem de nós”. O ser do homem e o seu ser livre não apresentam diferenças. São, ao mesmo tempo, seus constituintes e seus constituídos.
        Pode-se vislumbrar na autonomia um sentido de pensamento. O direito inalienável que a pessoa traz consigo de externar o seu pensamento, em sua forma estrita. Isso mostra a luta da pessoa pela liberdade de expressar o seu pensamento. Sempre se pode lembrar Voltaire: “Não estou de acordo com o que você diz, mas lutarei até o fim para que você tenha o direito de dizê-lo”. É a expressão, possivelmente, mais elevada da clareza e da necessidade da liberdade de pensamento do outro. Assegurar essa liberdade ao outro é a garantia do desejo de liberdade para o eu, um desejo intrínseco promovido nas metodologias de educação popular.
        Autonomia, como liberdade de, traz consigo um sentido também ético. Ética aqui entendida como expressão do direito que tem a pessoa de agir sem constrangimento de qualquer força externa. Liberdade esta tão reivindicada e defendida por René Descartes, que na educação popular se concretiza pela promoção do diálogo.


g) O diálogo

O diálogo como componente educativo faz parte da tradição grega, presente nos exercícios filosóficos de Platão, por meio de seus conhecidos diálogos[2]. Compõe igualmente, nos dias de hoje, o cerne do pensamento harbemasiano, constituindo-se no elemento ético básico de toda a formulação e exercícios educativos freireanos. Como um exercício teórico, torna-se prático na educação, tendo sua relevância como um projeto político-filosófico por meio da ação educativa, marcantemente, em processos de educação popular.
É mais que conhecido o limite da natureza e da inteligência de cada pessoa, impossibilitando a visão global de tudo, sozinha. Mas cada um pode se comunicar e tomar conhecimento das idéias e sentimentos – sofrimentos, divergências e perspectivas - dos demais, tornando possível a discussão ou momentos educativos de ensinamentos e de aprendizagens. O diálogo, como uma capacidade humana de perguntar e responder ao outro, assegura essa possibilidade.
Historicamente, o diálogo é apresentado com Sócrates ao introduzi-lo como técnica de perguntar e responder, à procura da verdade. Como arte de dialogar, adquire a metodologia do confronto de perspectivas entre aqueles que dialogam, definida a partir de critérios de coerência lógica. Originariamente, a arte do diálogo (diá-lógos) é a própria dialética. Vê-se que o advérbio diá que, entre outros, assume valores espaço-temporais (através, entre, durante), causais, modais (com), bem como de estado ou condição. Como prefixo verbal, diá também adquire uma variedade de significados, entre os quais divisão e separação. Como base para a dialética, podem ser encontradas expressões várias como dialégein para significar, entre outras coisas, escolher, selecionar ou mesmo sua forma derivada dialésgesthai com a significação de conversar com, raciocinar com.
Constitui-se ainda do verbo légein, que é rico de sentidos, vários deles convergindo para o significado de escolher cuidadosamente, contar, ou mesmo ainda a expressão dialégein com a significação de desenvolver (de forma completa) um discurso. De légein a lógos, de dialégein a dialégesthai (um agir que originará diálogo), há um processo de superação e manutenção de conceitos anteriores que irão fundamentar a análise da unidade entre pensamento e palavra, da unidade entre um ato comunicativo e um ato reflexivo, da intersubjetividade e subjetividade ou mesmo a busca de um horizonte que fundamenta a relação entre aquilo que se “diz” e aquilo que se “é”. Com essa origem, dialética se confunde com a descoberta grega do lógos e o seu exercício, em Platão, é o próprio ato de filosofar.
O diálogo, em Platão, se mostrará como elemento constituinte da própria estrutura do pensamento e distanciada da formulação sofística que o tem, apenas, como o principal instrumento de poder político, demarcando, inclusive, pela diferença entre a escrita e a palavra, o campo da linguagem. É, ainda, em Platão, um pensamento que se afirma com a ética na política. Diálogo, portanto, como fundamento desse espaço privilegiado à aprendizagem e ao exercício ético.
As experiências em educação popular, tão externadas nas obras de Paulo Freire, conduzem à legitimação dessa ética, sendo marcante também no pensamento de Habermas. Diálogo como espaço à educação expresso pela relação intersubjetiva e estrutura do pensamento. Uma atitude que tem desafiado as relações humanas e o seu exercício educativo, considerando que o percurso do assumir e do experimentá-lo abre sempre o risco de o sujeito perder o seu mundo, mas que, na verdade, está ganhando-o na abertura, pelo mesmo diálogo, para o outro, educando-se no outro e educando-o, também.
Nas práticas em educação popular, renascem dimensões filosóficas que compuseram a formação do homem grego, o marco ocidental para a educação, tendo em Sócrates o seu maior fenômeno pedagógico que constitui o diálogo como a marca educativa ocidental, estando na essência dos exercícios educativo-políticos e populares. O diálogo, em educação popular, provoca processos de reconstrução crítico-hermenêuticos constantes quando dos dizeres e fazeres que vão se externando nas obras de seus próprios partícipes. É hermenêutico, pois se trata de um exame interpretativo daquilo que vai sendo gerado no ato educativo e adquirindo dimensão didática à medida que se promove a escrita. No aspecto filosófico, essa prática se torna crítica enquanto dialética, ao se ter no diálogo o percurso ético, fundamentado na idéia da autonomia do sujeito ou uma ética do discurso, presente no pensamento habermasiano e que permeia o pensamento freireano.
Habermas elege como tema central de suas análises a racionalidade da sociedade atual, definindo-a como razão instrumental[3], expressão de meios para se alcançar algum fim determinado. Sua análise mostra que tanto o desenvolvimento técnico como a ciência, voltada à aplicação prática e como produto dessa razão instrumental, são responsáveis pela perda da autonomia do sujeito, visto que está submetido às regras dessa dominação técnica. A crítica, para Habermas, portanto, terá um papel de superação dessa situação estabelecida pela razão instrumental, no sentido da recuperação da dimensão de interatividade humana e de uma outra racionalidade não instrumental, baseada no agir comunicativo entre sujeitos iguais, livres e em condição de sua emancipação em relação à dominação técnica. Sua crítica à objetividade da ciência e à verdade do conhecimento científico passa pela redução do conceito de razão no positivismo, meramente, como procedimento metódico e lógico-formal, considerando que a razão instrumental não se aplica à moral e à prática humana. Estas serão, necessariamente, as dimensões que deverão estar presentes na razão dialógica e comunicativa, estabelecendo uma teoria da intersubjetividade comunicativa.
A impossibilidade da ação emancipatória entre os sujeitos, produzindo relações assimétricas na sociedade, é realizada pela ideologia. O desmascaramento dessa distorção será promovido pela crítica, ao retomar, assim, a razão emancipatória. Habermas estabelece uma teoria da ação comunicativa que tem no diálogo um esteio para sua realização. A razão comunicativa, portanto, só existe pelo processo dialógico estabelecido entre os atores em uma mesma situação. Uma razão pautada por interações espontâneas, dando, contudo, maior rigor ao discurso. Razão como procedimento argumentativo, quando dois sujeitos se põem em acordo com a verdade, justiça e autenticidade. A verdade, assim, vai se erigindo, de forma dialógica, seguindo a lógica do melhor argumento. Uma razão que promove o surgimento da significação das coisas, pessoas e relações consensualmente elaboradas e respeitadas, resultantes do diálogo entre o ego e o alter.
Diálogo que está presente na obra de Paulo Freire, tomando forma na sua visão de liberdade e de educação. A sua pedagogia não enaltece aquele que ensina (o professor), mas aquele que coordena as atividades de docência, promovendo a prática do diálogo. O diálogo é a condição essencial de sua tarefa de coordenador que se afirma sem imposição e cuja condição de aprendizagem associa-se à tomada de consciência da situação vivida pelo educando. Esta situação se concretiza à medida que se desenvolve o diálogo do homem com o homem. Assim, ele constrói a liberdade como um modo de ser e define o seu próprio destino, só podendo ser sentido na história dele mesmo.
A educação popular, pelo diálogo, caminha para a superação das formas existentes de opressão, uma pedagogia emancipatória, presa a um juízo existencial onde se faz necessária a liberdade da prisão da ignorância e da inconsciência. Sua tarefa educativa tem como ponto de partida o assumir a liberdade e a crítica como o modo de ser do homem. Uma pedagogia orientada pela interpretação do mundo, considerando que todos se educam pelo diálogo, intersubjetivamente. 
A dialética e hermenêutica, tão presentes e necessárias no exercício educativo popular, historicamente, têm se apresentado como opostas, sendo isto, porém, apenas de forma aparente. Nas práticas educativas populares, é fácil de se ver que a dialética, enquanto crítica, exige o dado, o espaço histórico e o sentido. Este irá constituir-se como elemento que conduz à interpretação do mundo vivido, na visão habermasiana. Ora, a crítica, ao exigir a interpretação, direciona a dialética para a hermenêutica. Pela hermenêutica será apresentada a identidade do algo em debate e pela dialética será acentuada a sua diferença e o seu contraste. Nesta discussão do diálogo como elemento de origem, a interpretação possibilitada pelo instrumento hermenêutico, diante dos vários sentidos e pelo instrumento da crítica, provoca possíveis rupturas ético-filosóficas que são, necessariamente, educativas e, fortemente, da educação popular. 
Em Platão, o diálogo vai se apresentando como um caminho (método – meta + hodós) sempre aberto para uma seqüência de argumentação ou novas definições. E qual o método? Um procedimento sempre dicotômico (dialético) ou de divisão em duas partes; em seguida, uma das partes será tomada para nova definição, que novamente será dividida, dando continuidade a este procedimento. Este método duplo conduz, de início, a uma técnica de argumentação que procura desmontar os conhecimentos prévios, tidos como verdadeiros e definitivos daquele que está sendo questionado pelo mestre, através da ironia.
O segundo momento – a maiêutica - decorrente do primeiro, prepara o discípulo, por meio de perguntas, para que o mesmo traga à luz a verdade que há dentro de si mesmo. Contudo, é pela anámnesis (reminiscência) que se constitui a condição (subjetiva) desse trânsito, exigindo o diálogo para a sua concretização. Maiêutica, portanto, como um movimento dialógico para se chegar à verdade, um caminho do ‘eu’ para a própria interioridade. Este procedimento dialogal, portanto, conduz a educação para as bases, necessariamente, de uma episteme (ciência), distanciando-se do plano instável da doxa (opinião).
Assim, Platão, com a herança socrática, marca a direção da luta crítica (dialética) com as formulações educativas de seu tempo e com a tradição histórica de seu povo – com a sofística, a retórica, a matemática, legislação e Estado, astronomia, medicina, poesia e música. Procura encontrar o caminho para essa meta ao apresentar o problema da essência do saber e do conhecimento, além de outras temáticas presentes, até hoje, no processo educativo humano, tais como:  a virtude, a política[4], um novo saber[5], o amor, a justiça e a escatologia.
Em Platão, é razoável a compreensão de que a estrutura interna do pensamento é dialógica. O pensamento, o discurso ou a razão se tornam a mesma coisa, expressos por um diálogo silencioso da alma, exigindo a possibilidade de transição da esfera da subjetividade para a da intersubjetividade. Esta possibilidade se concretiza a partir deste mesmo diálogo da alma com ela própria. É o diálogo se expressando como um agir (dialégesthai) que acontece internamente no pensar. Assim, passa a oferecer as condições de realização de si com o outro, estando incluído na ação concreta do falar.
        Do ponto de vista hermenêutico, a partir dessa forma literária do diálogo, há uma necessidade de conexão do escrito com o oral. No oral, está presente o contexto e este contém o outro em condição de ouvir, passando a existir uma relação intersubjetiva, estabelecendo uma ética do ouvir. Expressa-se, dessa maneira, uma unidade na obra platônica ao tematizar o diálogo, que é concreto e um processo intersubjetivo. Este processo, de forma dialética, significa que o eu remete-se ao outro e, ao se remeter ao outro, volta-se a si mesmo.
        Há, em Platão, um diálogo interior, aquele que a alma realiza em si mesma, e um diálogo exterior, em relação ao outro, que são dimensões de um mesmo processo, isto é, o caminho da ascensão da alma em direção ao mundo das idéias. A ação pelo diálogo exterior abre a perspectiva de surpreender-se de forma dupla, em relação a si e ao outro, enquanto se pergunta ou se responde. Este processo dialógico abre a condição de tornar possível a aprendizagem consigo mesmo através do outro (a maiêutica).
Isto também põe em exame a formulação de que “sei que nada sei”, abrindo a condição de se estabelecer como um princípio ético, implicando uma postura de ouvir. Mas, este pode se apresentar como um princípio epistêmico, enquanto uma ascensão dialógica ao mundo das idéias. Esta é uma forma de ver essa ascensão com o outro. Abre-se um caminho dialético que se realiza pelo diálogo em direção à verdade. Promove, dessa forma, uma visão do outro não mais como uma sombra do não conhecimento.
Considerando a estrutura interna do pensamento como sendo dialógica, em Platão, a relação dialógica é uma relação intersubjetiva do pensamento e tem como base a dialética. Assim é que se estabelece o diálogo como a base dos alicerces da razão política. A perspectiva platônica pode ser interpretada como denunciadora, ao considerar uma autoconsciência marcada pelo conflito da idéia de autonomia do sujeito e uma ética do discurso, apoiada no diálogo pela dialética. E esta é uma ética que tem seus fundamentos em princípios da ação comunicativa - da intersubjetividade. Este reino da intersubjetividade está, hodiernamente marcado em Harbermas, em sua teoria do agir comunicativo[6].
Em Habermas, a razão comunicativa expressa a interseção do mundo objetivo das coisas, do mundo social das normas e do mundo subjetivo dos afetos. Assim, resgata o diálogo exigido na esfera social da cultura. Questiona valores e normas. Torna possível a reconquista do terreno da razão instrumental dominante, ao restabelecer a capacidade da ação comunicativa para todos. É a partir dos conceitos de razão comunicativa e de mundo da vida que Habermas aposta num processo educativo pela comunicação, tendo no diálogo a base que pode conduzir a um mundo melhor, em que as relações humanas e sociais sejam mais transparentes e menos violentadoras.
        Propugna por uma práxis de um novo tipo que procura “elevar a humanidade à razão científica universal, de conformidade com normas de verdade, transformando-a numa humanidade renovada a partir de seus fundamentos” (Habermas, 1975: 294). Uma teoria social que se reafirma por uma reinterpretação das necessidades históricas e práticas, dos fins, dos valores e das normas, orientando-se para uma práxis emancipadora. Contudo, este exercício praxeológico intersubjetivo, presente o diálogo, no campo da educação, é realizado na vasta experiência de Paulo Freire.   
Para Freire (1983a), o homem existe no tempo. Está dentro, mas também está fora, enquanto herda, incorpora e modifica esse mundo. O homem e o mundo estão impregnados de um sentido conseqüente. Sua presença no mundo não se dá de forma passiva. Não se reduz apenas a uma das dimensões da vida, seja a natural ou a cultural. A sua ingerência não é de expectador. Acontece em ambas as dimensões. Volta-se à realidade na busca de realizar-se pela transformação, tanto de si mesmo como da natureza. Este nível de consciência se destaca, segundo Freire (ibid.: 61), por substituir explicações mágicas por princípios causais e:

“Por procurar testar os ‘achados’ e se dispor sempre a revisões. Por despir-se ao máximo de preconceitos na análise dos problemas e, na sua apreensão, esforçar-se por evitar deformações. Por negar a transferência de responsabilidade. Pela  recusa a posições quietistas. Por segurança na argumentação. Pela prática do diálogo e não da polêmica. Pela receptividade ao novo, não apenas porque novo e pela não-recusa ao velho, só porque velho, mas pela aceitação de ambos, enquanto  válidos. Por se inclinar sempre a argüições”.

Há, ainda, uma perfeita relação entre o diálogo e a intersubjetividade. O diálogo só acontece entre sujeitos.

“O diálogo é um bom ponto de partida e um bom ponto de chegada para recuperar a igualdade. Nas relações face a face – e as relações entre educador e educando o são – a recuperação da democratização reside em poder estabelecer uma ação comunicacional que vise construir a identidade do oprimido e posicioná-lo na luta pela libertação” (Russo et al. 2001: 120). 
      
Ora, sem identidade, não há condição de libertação por parte do oprimido. Sua identidade é componente do mundo da vida, sua exterioridade, a razão do outro, tendo aí o início do caminho para a liberdade. Liberdade que se constituirá como elemento utópico, pois se afirma num pensamento que virá sem um receituário definido e sem a inexorabilidade histórica.
Com o estabelecimento da dialogicidade como fundamento em sua pedagogia popular, Freire (1983) cobra um diálogo verdadeiro para que haja a promoção de valores éticos no processo educativo. Com isto, admite que a sua existência se dará quando firmada a condição de, também, pensar de forma verdadeira. “Finalmente, não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-homens, reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade” (ibid.: 97).

Considerações


Como expressão de síntese, é possível vislumbrar-se desta discussão, a partir das várias experiências históricas e recentes que a educação popular pode ser abalizada na perspectiva de um conjunto de elementos teóricos que fundamentam ações educativas, relacionadas entre si e ordenadas segundo princípios e experiências que, por sua vez, formam um todo ou uma unidade. Mesmo expressando uma unidade, é um sistema aberto que relaciona ambiente de aprendizagem e sociedade, a educação e o popular e vice-versa. Um sistema aberto de trabalho educacional detentor de uma filosofia que, por sua vez, pressupõe as seguintes dimensões: uma teoria do conhecimento, metodologias dessa produção de conhecimento, conteúdos e técnicas de avaliação, sendo sustentada por uma base política.
Essa teoria do conhecimento tem como pressuposto inicial a realidade e um fazer história compreendido à medida que surgem novos temas ou que se aprendam e realizem valores inéditos. História quando o homem faz novas formulações, mudando as suas maneiras de agir, pensar e relacionar-se com os demais humanos. Vai se constituindo como um trabalho humano, em que seem e pela prática do indivíduo, enquanto humaniza a natureza e naturaliza a dimensão de ser humano.
A sua verdade exige o debruçar-se sobre a própria realidade, sob a forma de atividade prática. Detém, por sua vez, uma metodologia capaz de possibilitar que cada um se transforme em protagonista de sua própria história, à medida que seja útil à organização de seus pares, sistematizando e reelaborando os conhecimentos de sua classe. Presta-se para o desenvolvimento das habilidades e de atitudes como: orientar, dirigir e organizar debates e reuniões, sistematizar e expressar idéias e opiniões, reunir, criticar e sintetizar informações. Além disso, requer a percepção da importância e necessidade de organização e troca de informações entre os próprios trabalhadores.
       



                 Contém conteúdos e avaliação originados da própria realidade, adquirindo diferenciadas modalidades de trabalho pedagógico, pois ele está sendo dirigido aos e pelos moradores de periferias de cidades, camponeses, trabalhadores e demais categorias de pequenos produtores rurais de trabalho direto e nos mais diferenciados ambientes do campo ou da cidade ou nas diversas instituições da sociedade civil, inclusive nas escolas de educação formal. Exige pensar que tudo está em movimento, inclusive, o ato pedagógico. Recorre-se à análise do processo que também está em movimento. A avaliação dos conteúdos da educação popular, por sua vez, só terá sentido quando for conduzida para a análise organizativa de todo processo educativo em desenvolvimento. A educação popular é alimentada por uma base política enquanto promotora da superação do silêncio imposto a cada um, pela preparação intelectual dos trabalhadores, pela construção moral dessa classe e pela capacitação para o exercício da direção política, acompanhada dos valores e fundamentos em todas as suas dimensões, fomentando, inclusive, práticas autogestionárias.
Destaque-se a necessidade da produção do conhecimento e não simplesmente a promoção de uma relação entre saberes acadêmicos e saberes populares. Essa produção de um conhecimento transpõe a dimensão meramente de troca de saberes. Isto ocorre nas ações extensionistas, nos exercícios de autogestão e em tantas outras possibilidades, mas não se constitui, simplesmente, de processos relacionais. Vislumbra-se a produção do conhecimento acadêmico com a participação da comunidade na busca de autonomia própria.
Os processos em educação popular podem expressar resistência às formulações de uma ética e de uma moral utilitária que fomentam e enfatizam a individualidade em nome, prioritariamente, de um benefício pessoal. A ela contrapõe-se a ética da comunicação, do diálogo, da responsabilidade social, da democratização, da justiça social, da igualdade de direitos, do respeito às diferenças, das escolhas individuais e grupais, elementos que potenciam a dimensão comunitária e a solidariedade entre as pessoas, na construção de outras formas de racionalidade. Assim, é que se abrindo ao campo das mudanças, possibilita o exercício do empoderamento das pessoas, a ênfase em sua individualidade quando contribui à construção das identidades, tanto do




indivíduo como coletivamente, enfatizando os aspectos subjetivos, com destaque às questões de gênero, sob o manto especial da produção das coisas para ser assegurada a vida. 
A resistência à massificação e ao nivelamento passa a dar sentido às diferenciadas metodologias de educação popular. Esta, ao utilizar uma perspectiva dialética, contribui, decisivamente, para o encontro de estratégias e de condições de lutas para as transformações da realidade. Enfim, uma resistência construtiva de utopia como a busca por liberdade. Uma liberdade no sentido político, ético e filosófico, que mostra as limitações dessa própria liberdade, considerando a existência do outro, com a clareza de que o humano não é um ser acabado, posto que histórico.
Assim, várias questões continuam desafiando as práticas educativas populares que, mesmo vislumbrando a competência, assuma um significado para a produção, para o social, para a tecnologia e, sobretudo, para a cultura. As realidades são muito distantes uma das outras e as práticas em educação popular acompanham essas realidades, porém, será interessante a pesquisa para detectar similitudes de relações presentes nos variados processos, na perspectiva de se contribuir com maior clareza para esse trabalho educativo tão diferenciador mas tão semelhante pelas definições de suas buscas, alimentando uma teoria pedagógico-popular, cujos vetores político-humanistas reforcem as lutas coletivas por liberdade, por igualdade, por justiça e por felicidade.



[1] Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia. 6a. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
[2] A obra de Platão chegou, até nós, por meio de seus Diálogos.
[3] Freitag, Bárbara. A teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.
[4] A política será depois “virtude” cuja possibilidade de ser ensinada é o tema central de que trata Ménon (um diálogo de Platão).
[5] O ‘diálogo’ Mênon ou Da virtude insere-se na obra: Platão – diálogos: Mênon – Banquete – Fedro. Com tradução de Jorge Paleikat, com notas de João Cruz Costa e estudo bibliográfico e filosófico de Paul Tannery. Ediouro/81271.
[6] Habermas, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa: complementos y estúdios prévios. Madrid: Ediciones Cátedra, S,A., 1997. 
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[1] Uma das interpretações gramscianas de hegemonia é desenvolvida por Miriam Limoeiro Cardoso em seus dois livros: La Construcción de conocimientos: cuestiones  de teoría y método;   Ideologia do Desenvolvimento-Brasil: JK-JQ.


[1] Para uma visão mais completa desses grupos políticos, com textos que os orientaram nas ações políticas, ver: Löwy, Michael. O marxismo na América Latina – uma antologia de 1909 aos dias atuais. Editora Fundação Perseu Abramo. São Paulo, 1999.
[2] É um documento da Aliança Nacional Libertadora (ANL), frente político-militar do PCB com a ala esquerda do ‘tenentismo’ que lideraram a sublevação de 1935.
[3] O Partido Popular foi fundado, no México, por Vicente Lombardo Toledano; depois passou a se denominar Partido Popular Socialista (PPS). Um partido de oposição fundado para cooperar com o governo.
[4] Unidade Popular se constitui como uma coalizão de partidos de esquerda. O MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária), nessa frente, desenvolve-se, sobretudo, a partir das frentes de massas Movimento Camponês Revolucionário, Movimento dos Favelados, Frente de Trabalhadores Revolucionários, junto com a ala esquerda da Unidade Popular, a esquerda cristã e outros. O MIR contrapõe-se estrategicamente ao PC chileno que defendia aliança das forças populares com a burguesia nacional.
[5] Até o final da década de 60, o PC do B negou-se comprometer com processos de luta armada, realizando, contudo, a sua própria experiência, de orientação maoísta, na década de 70 - uma guerrilha rural na Amazônia - sendo dizimada pela ditadura militar.
[6] O Partido dos Trabalhadores(PT) foi criado em fevereiro de 1980. Decide, no seu VII Encontro Nacional, adotar o socialismo petista, inspirado numa tradição marxista anticapitalista, expresso por uma visão de cultura política pluralista, propondo-se democrático e libertário.
[7] Surgiu em Chiapas, México, em 1994.  Esse movimento arrasta consigo a tradição de luta do povo mexicano. Uma organização guerrilheira de tipo novo enquanto não aspira à derrubada e tomada do poder, mas a luta com a sociedade civil mexicana pela conquista de democracia e justiça.
[8]   É um movimento do final de século XX, no Brasil.  Atento às questões agrárias, em 1995, lançou um  programa de reforma agrária para o país. É um movimento que se reivindica de nenhuma doutrina política, mas nas suas análises sobre o país está explícita a influência do marxismo.
[9] “Classes populares serão entendidas no plural, compreendendo o operariado industrial, a classe trabalhadora em geral, os desempregados e subempregados, o campesinato, os indígenas, os funcionários públicos, os profissionais e alguns setores da pequena burguesia”. Luiz Eduardo W. Wanderley, Educação popular e processo de democratização. In:  A questão política da educação popular. Brasiliense, 2a. São Paulo, 1980.






(1) Método e Metodologia

Sugiro que vcs possam dar uma olhada nesta página abaixo.
Vamos abrir um canal de diálogo sobre possiveis dúvidas e a necessidade de ampliar o leque de leituras.

http://www.labogef.iesa.ufg.br/labogef/arquivos/downloads/metodo_metodologia_19263.pdf


(2)  Modalidades de pesquisa
      Ler  texto abaixo


MODALIDADES DE PESQUISA 
Por  Maria Adelia Teixeira Baffi


Uma das preocupações básicas dos pesquisadores, relacionada com as questões metodológicas de suas pesquisas, é a explicação sobre as características específicas dos procedimentos adequados, para a realização da pesquisa proposta. Assim sendo, este estudo, que pretende ser apenas uma breve introdução à referida questão, tem o objetivo de sintetizar algumas características de modalidades de pesquisa, tendo como referência textos de diferentes autores.
      Segundo Demo (1994 e 2000), podemos distinguir, pelo menos, quatro gêneros de pesquisa, mas tendo em conta que nenhum tipo de pesquisa é auto-suficiente, pois "na prática, mesclamos todos acentuando mais este ou aquele tipo de pesquisa" (2000, p. 22).
      1. Pesquisa teórica - Trata-se da pesquisa que é "dedicada a reconstruir teoria, conceitos, idéias, ideologias, polêmicas, tendo em vista, em termos imediatos, aprimorar fundamentos teóricos" (Demo, 2000, p. 20). Esse tipo de pesquisa é orientada no sentido de re-construir teorias, quadros de referência, condições explicativas da realidade, polêmicas e discussões pertinentes. A pesquisa teórica não implica imediata intervenção na realidade, mas nem por isso deixa de ser importante, pois seu papel é decisivo na criação de condições para a intervenção. "O conhecimento teórico adequado acarreta rigor conceitual, análise acurada, desempenho lógico, argumentação diversificada, capacidade explicativa" (1994, p. 36).
      2. Pesquisa metodológica - Refere-se ao tipo de pesquisa voltada para a inquirição de métodos e procedimentos adotados como científicos. "Faz parte da pesquisa metodológica o estudo dos paradigmas, as crises da ciência, os métodos e as técnicas dominantes da produção científica" (Demo, 1994, p. 37).
      3. Pesquisa empírica - É a pesquisa dedicada ao tratamento da "face empírica e fatual da realidade; produz e analisa dados, procedendo sempre pela via do controle empírico e fatual" (Demo, 2000, p. 21). A valorização desse tipo de pesquisa é pela "possibilidade que oferece de maior concretude às argumentações, por mais tênue que possa ser a base fatual. O significado dos dados empíricos depende do referencial teórico, mas estes dados agregam impacto pertinente, sobretudo no sentido de facilitarem a aproximação prática" (Demo, 1994, p. 37).
      4. Pesquisa prática - Trata-se da pesquisa "ligada à práxis, ou seja, à prática histórica em termos de conhecimento científico para fins explícitos de intervenção; não esconde a ideologia, mas sem perder ó rigor metodológico". Alguns métodos qualitativos seguem esta direção, como por exemplo, pesquisa participante, pesquisa-ação, onde via de regra, o pesquisador faz a devolução dos dados à comunidade estudada para as possíveis intervenções (Demo, 2000, p. 22).

      Gil (2001), assim como Demo, também apresenta uma classificação das pesquisa, porém adota o a seguinte referencial: classificação das pesquisas com base em seus objetivos e classificação com base nos procedimentos técnicos adotados.
      Classificação com base nos objetivos - três grandes grupos: pesquisas exploratórias, pesquisas descritivas e pesquisas explicativas.
      Classificação com base nos procedimentos técnicos adotados (pois, para analisar os fatos do ponto de vista empírico, para confrontar a visão teórica com os dados da realidade, é necessário traçar o modelo conceitual e também o operatório): pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, pesquisa experimental, pesquisa ex-pos-facto, levantamento, estudo de caso e pesquisa-ação.
      Santos (1999) acrescenta à classificação apresentada por Gil, destacando a caracterização das pesquisas segundo as fontes de informação, ou seja, pesquisa de campo, pesquisa de laboratório e pesquisa bibliográfica.


REFERÊNCIAS:
DEMO, Pedro. Pesquisa e construção do conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.

________. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1994.

SANTOS, Antonio Raimundo. Metodologia científica: a construção do conhecimento. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.